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domingo, 9 de outubro de 2011

Definindo-se num estilo.


Definir-se, seja em um engajamento político, em um estilo de vida, em uma corrente de pensamento, é uma tarefa difícil, e talvez uma das mais desagradáveis para uns. Definir-se, para muitos, é um sinal de limitação, de castramento de suas potencialidades, na medida em que, ao escolher uma vertente, você acaba por abdicar de milhares de outras possibilidades que nem sequer foram experimentadas. No caso de se definir em um estilo literário, a coisa não funciona diferente. Ser um escritor de fantasia significa não ser um biógrafo, não ser um poeta, não ser um realista. Será mesmo?
Até que ponto, definir-se como algo seria uma privação de potencial, e até que medida essa não seria, na realidade, a condição de possibilidade de se manifestar essas potências? Pensemos, por exemplo, na adolescência de todos os seres humanos. Esta fase confusa, em que o “eu” de nós ainda não está formado. Em que somos tudo e nada ao mesmo tempo. Quando hoje pensamos de um jeito para amanhã já nos vermos flertando com outras ideias. A adolescência é sem dúvidas um estágio rico em experiências, em desejos de sensações novas e intensas, contudo, é uma etapa em que pouco se produz, em vistas de uma auto formação. Se discordam de mim, basta ver que a maioria dos adolescentes não sabem ainda o que querem da vida. Ainda estão experimentando, num processo de tentativa e erro que os levará, assim espera-se, para uma conclusão, seja em sua relação com a vida afetiva, suas amizades, escolhas profissionais e etc.
Vale ressaltar desde já que estas minhas considerações não são uma crítica ao modo de ser adolescente. Isso porque, tal postura de minha parte seria uma dupla hipocrisia. Primeiramente, porque sendo eu um escritor de fantasia contemporânea, reconheço nos jovens meu público-alvo. Em segundo porque, como todos sabem, mas fazem questão de esquecer, todos nós, adultos ou em caminhos de o ser, já fomos adolescentes. E este estágio é de vital importância para qualquer ser humano, pois funciona como um laboratório para nossas razões e emoções. O lugar central onde, discutindo com o mundo externo e os desejos internos, conseguimos, a trancos e barrancos, ter uma noção de quem nos somos e, quem sabe, para onde vamos.
Enfim, deixando esta leve digressão de lado, volto ao meu foco. Pois assim como a vida vivida, a vida literária de um escritor também possui sua adolescência. Aquele momento em que o futuro autor flerta com as mais variadas tendências, sente-se atraído por quase todas e começa a esboçar projetos em cada uma delas. Esta, como a adolescência da vida, é uma fase importante, mas que não tem sentido se ao fim não gerar a formação do “eu literato”.
E por que, afinal, é tão importante se definir? Por que não podemos ser essa metamorfose ambulante, ao invés de termos uma velha opinião formada sobre tudo? A resposta para estas indagações são simples e pragmáticas: porque cada escritor deve partir de algum lugar para poder chegar a um objetivo. O que quero dizer é que, a partir do momento em que você se define como escritor, elegendo uma dentre outras correntes para seguir, você na verdade está criando as bases para o seu fazer, seu ofício. E só a partir destas bases que você poderá chegar a algum lugar e produzir alguma coisa.
Flertar com o que é novo, adquirir novas experiências e ter a mente aberta para possíveis mudanças, são características muito positivas. Contudo, quem só flerta, experimenta e corre atrás da novidade jamais produz, nunca se estabiliza e acaba encarnando a metáfora do coelho que corre atrás de uma cenoura que nunca alcança. Quantos de nós, que queremos ser escritores, já não engavetamos dezenas de projetos de livros, pois não conseguimos concluí-los? Quantas vezes já iniciamos uma história cheios de expectativas e euforias para no fim nos desanimarmos e irmos para outra ideia que, naquele instante, se mostrou mais interessante e nos encheu das mesmas expectativas e euforias?
Esse é, infelizmente, o destino da maioria das ideias: ir par a gaveta. As vezes por causas externas ao escritor. Sim, pois somos seres humanos e estamos sujeitos às reviravoltas da vida. Mas outras vezes perdemos ideias porque ainda não chegamos à maturidade literária, e como um jovem que é capaz de apaixonar-se e desapaixonar-se de um instante para outro, essas histórias, antes tão encantadoras, perdem facilmente o brilho diante de algo novo.
Há uma tendência viciosa em se aproximar a concepção de alguém que se define, que tem uma personalidade formada, com uma pessoa cabeça dura, tradicionalista, que não larga seus valores. E isso nem sempre é verdade. Uma pessoa bem definida não precisa ser mente fechada. Pelo contrário, uma pessoa bem definida sabe respeitar a opinião dos outros, entende que seus valores e verdades não são únicos, e possui a maturidade necessária para reconhecer que tomou um caminho errado. E neste sentido, está sempre aberto para testar novas possibilidades.
Todavia, estas novas possibilidades são testadas quando as condições para elas se apresentam, quando ele tem ciência de que um novo caminho talvez seja o melhor e tenha chegado a compreensão que é hora de mudar. A mudança de alguém bem resolvido não vêm do simples modismo, da necessidade de ser aceito, ou da crítica dos outros. Um escritor que muda de gênero apenas porque um vende mais que o outro não poderá ser um bom escritor. No máximo um entretenimento. Agora, quando essa mudança resulta de uma necessidade de se colocar diante de novas experiências, então ele está pronto para uma nova aventura e assim, mudar de estilo.
Eu me defino como escritor de fantasia contemporânea, indiferente das críticas a este estilo, que alguns entendem como comercial, infantil, meros devaneios que visam a alienação de mentes imaturas. Reconheço-me nele pois é ele que me faz feliz, que me dá a satisfação de olhar para um livro e dizer com orgulho: “fui eu quem o escrevi”. Entretanto, não sou tão acomodado que não me veja fazendo outras coisas. Atualmente, até por uma influência de meus estudos em história, vejo-me um dia escrevendo algum romance histórico. Na verdade, tenho até uma ideia, que não irei divulgar por ainda não tê-la completamente amadurecido. Mas num futuro próximo é bem provável que eu a divulgue e arrisque essa mudança.
Pode ser que eu me arrependa e queira voltar para a fantasia. Pode ser que eu me descubra e não queria mais retornar. Ou pode ser que eu me descubra, mas ainda assim não abandone o mundo da imaginação livre. Emfim, nunca se sabe...
O futuro é imprevisível, por isso valorizo aqueles que preferem ser uma metamorfose ambulante, pois estes reconhecem o mundo incontingente em que vivemos. Mas deixo a dica de que até as metamorfoses ambulantes têm de ter seus momentos de estabilidade. Permitirem-se parar um pouco e contemplar a beleza do lugar em que estão. Beleza esta que jamais será vislumbrada se você viverem passando correndo pelos locais.