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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Leitura e Reflexão – O Leitor de Bernhard Schlink



Saudações Leitores.

Além de passar a ter uma parte dedicada a resenhas de livros nacionais, outra novidade do Por detrás do Véu 2011 será a sessão “Leitura e Reflexão”, onde selecionarei uma obra de grande popularidade e circularidade e retirarei dela temas que instiguem o pensamento. Essa coluna, além de ajudar a promover debates que possam nos enriquecer culturalmente, também tem como proposta revelar o lado mais complexo de uma boa obra literária: sua capacidade de desestabilizar o leitor e forçá-lo a pensar de outra forma sua realidade.

Como recomendação que deixo para os possíveis leitores, é que só acompanhem os artigos de Leitura e Reflexão aqueles que já tenham lido a obra selecionada, ou aqueles que não se importem em ver “spoillers” que possam vir a estragar a surpresa final. É que para essa empreitada, revelar momentos do livro acaba por se tornar essencial para gerar debates. Ato esse que não costumo fazer quando escrevo uma resenha.



Muito bem, sem mais delongas, vamos à obra de hoje: O leitor, de Bernhard Schlink.



Este livro, que recentemente ganhou versão cinematográfica, conta a história de amor de um jovem – Michael Berg – e uma mulher vinte anos mais velha – Hanna. Com uma paixão que se divide entre os momentos de leitura, onde Michael lê seus clássicos favoritos para Hanna, e a descoberta do sexo, a primeira parte do livro faz um esboço geral dos personagens, mostrando suas características e curiosidades. Contudo, a coisa dá uma reviravolta quando Hanna desaparece.

Anos depois, Michael, estudante de direito, envolvido em casos de crimes de guerra, passa a assistir a julgamentos de criminosas nazistas, onde, no banco dos réus, entre as mulheres acusadas do assassinato de dezenas de judeus, ele reencontra Hanna. E é esta parte que nos interessa para fins de reflexão.

O que foi o nazismo? Quais as características de sua perversidade? Qual a sua lógica e qual foi seu impacto para seus agentes históricos, aqueles que viveram sua realidade?

Atualmente, temos uma idéia muito segmentada no evento, com suas atrocidades e monstruosidades, representadas por imagens fortes, tais como a pilha de corpos, ou de prisioneiros subnutridos, vivento em estado desumano. Vincular Nazismo a monstruosidade é algo muito comum. E não quero dizer que penso o contrário, pois como ser humano também me assombro com o que uma pessoa é capaz de fazer com outra. Mas, como seria dar uma espiada pela perspectiva de um nazista? Largar o pijama listrado da vítima e tentar vestir a farda do algoz. Qual seria a lógica por detrás disso.

Essa é para mim uma das grandes contribuições deste excelente trabalho. Hanna é julgada, acusada do assassinato de inúmeras mulheres judias, trancafiadas em uma igreja em chamas. De acordo com a acusação, Hanna seria a líder do grupo de oficiais femininas que estava sendo julgado, e foi através de sua ordem, apresentada através de um documento supostamente assinado por ela, que a Igreja onde eram mantidas as prisioneiras foi mantida trancada, mesmo estando em chamas, para garantir que as culpadas não fugissem.

Diante dessa acusação, Hanna se defende como pode, demonstrando muita lógica e razão em seus argumentos. Quando questionada sobre o motivo de ter aceitado o emprego de cuidar de prisioneiras judias, ela alega que ou era isso, ou era morrer de fome, já que as ofertas de emprego na Alemanha de seu tempo não eram favoráveis a uma mulher. Quando perguntam do porque de ter mantido trancada a igreja que serviu de túmulo para milhões de mulheres, ela disse apenas que não poderia abrir as portas, visto que se as prisioneiras fugissem, ocorreria o caos e ela e as outras oficiais correriam risco de vida.

Respostas demasiadamente frias, mas que estranham o leitor que viu, na primeira parte do livro, uma Hanna muito mais sensível, capaz de amar e se relacionar com um garoto, cuidando, ensinando e acolhendo-o quando estava doente. Tal estranhamento só vem a se tornar mais perturbador quando Michel descobre o segredo de Hanna. De acordo com o documento supostamente assinado por ela, Hanna teria dado ordem de trancar a igreja e deixar as prisioneiras ali para morrerem. Diante da acusação, ela se cala, aceita a sentença e espera o resultado.

Mas Michael sabe da verdade. Sabe que Hanna não poderia ter escrito e assinado o documento, pois Hanna era analfabeta. Contudo ela não se defendeu, tão pouco desmentiu o documento comprobatório. E com isso, recebeu a pior das sentenças entre as demais acusadas.

Porque Hanna preferiu ser acusada de assassinato em massa a assumir para os jurados que era analfabeta? E é nesse ponto que podemos entender um pouco da mentalidade nazista. Seus valores, suas visões de mundo. Hanna não era um monstro, pois o livro nos demonstra isso muito bem. Mas sim alguém que foi ensinada que existiam pessoas naquela sociedade em que ela vivia que não eram dignas de estarem vivas. Para ela, um judeu, um doente mental, um homossexual, não eram pessoas dignas de pena. E por isso, matar milhares deles não era algo indigno, mas sim natural. Como um inseto que está diante de nós, e pode nos infectar com suas doenças. Para evitar a enfermidade, nós o matamos, os tiramos do caminho. Não necessariamente nós sentimos ódio do inseto para matá-lo, nem tão pouco ficamos penalizados com seu destino.

Nesse sentido, percebemos a hierarquia de valores que havia em alguns seguimentos sociais do Ocidente do Séc. XX. Ser analfabeto era uma vergonha, mas ser o assassinado de grupos raciais inferiores ou degenerados, não. Pois aquilo sequer era considerado assassinato, e sim um ato de limpeza.

E é aí que entramos na lógica nazista. Digo lógica, pois o nazismo não era algo irracional como somos forçados a aprender, mas sim seu inverso. Ele era pura lógica. Era só lógica. Tanta lógica, que não havia espaço para sensibilidade. Hanna era uma personagem que era capaz de amar um garoto, de ter relações sexuais, assim como era uma profissional capaz de selecionar prisioneiras que deveriam ser mortas. Isso porque, a razão dizia a ela que ela tinha que cumprir ordens, para que as coisas funcionassem na empresa onde ela trabalhava. Era uma oficial que não podia salvar a vida daquelas mulheres trancadas na igreja, pois se o fizesse, sua própria vida estaria em risco. Era uma pessoa que não podia poupar um prisioneiro, pois este não era uma ser humano para seus padrões.

Ana Beatriz Barbosa e Silva nos mostra em seus capítulos iniciais de “Mentes Perigosas” que todo o ser humano tem um equilíbrio entre razão e sensibilidade. E que este equilíbrio é a chave de nossa consciência. Quando um desses elementos esta em desproporção, não há consciência. Um ser totalmente racional não é um ser consciente, pois falta para ele a capacidade de sentir empatia, ter entender o sofrimento que suas ações causam em seus semelhantes.

Nazistas eram pessoas racionais. Assim como muitos de nós nos consideramos. Mas eles eram extremamente racionais. Trabalhavam com a lógica de uma forma tão precisa que eram capazes de olhar suas vítimas não como pessoas, mas como números. E quando números, são muito mais simples de se apagar.

Concluindo a reflexão desse artigo, acrescento que o livro de Schlink mostra o lado humano do nazismo. Não o justificando ou aprovando-o, mas sim, compreendendo-o. Tentando pensar como ele, sem julgamentos e sem agressões. E algo que ele deixa a questionar, pelo menos em mim, é: teríamos nós, no lugar de Hanna, agido de forma diferente?



3 comentários:

  1. Parabéns pela excelente reflexão. Você conseguiu abordar tão bem as possibilidades do tema que nem sobrou muita coisa pra abordar. Não li o livro mas vi o filme. E todo filme que rola os julgamentos pós guerra rola sempre a mesma fala: "estava cumprindo ordens!"
    Se eu faria ou não? Não sei... Sinceramente. Até pq, quer conhecer alguém de fato? O coloque em uma situação extrema como a guerra e vc vai ver! Abraço!

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  2. Olá,
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  3. Oie. Ameiii as palavras, me fez refletir sobre cada ponto citado. É complicado avaliar o nazismo, um horror sem dúvida, desumano, terrível. Mas aí entra o que você colocou...o outro lado do terror, o lado que quem o fazia. Adorei tanto o que vc escreveu que vou colocar na lista de compras esse livro. Ha! Visito seu blog pela primeira vez graças a seu recado no Skoob. Ameiii!!!

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