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domingo, 8 de maio de 2011

Afinal, por que escrevo fantasia?


“Por que escrevo fantasia?” Essa foi a pergunta que já me fizeram e eu mesmo já me fiz inúmeras vezes. Escrevo porque gosto? Porque acho importante? Porque é o que faço bem? Talvez sim, talvez não. Acho que um pouco de cada coisa. Mas a grande questão que parece me seguir cada vez que eu tento explicar meu trabalho, é essa: “mas o fim e ao cabo, que utilidade tem o que eu faço?”
Qual a utilidade da fantasia para o nosso mundo moderno, ou pós moderno para alguns? Normalmente, na escola, temos certas dificuldades em reconhecer o grau de importância de determinadas áreas, como acontece com a literatura, a arte, e até mesmo as ciências humanas. É comum aprendermos que importante mesmo é saber matemática, português, química, física e biologia, pois estas são as verdadeiras ciências e são elas que são importantes para a nossa formação, para a nossa vida. Será mesmo?
Hoje, olhando para trás e pensando minha vida, confesso que fico um pouco triste com a quantidade de coisas inúteis que aprendi, tudo porque alguém as empurrou para mim dizendo serem importantes. Confesso que uso muito dos cálculos que aprendi na escola em meu dia a dia, para contar dinheiro, calcular troco, horas e outras coisas burocráticas da vida. Mas ainda assim, tenho dificuldades em saber porque afinal tive de perder tanto tempo aprendendo a calcular a área de um triangulo, ou a resolver problemas de permutação, equação e matriz. Em que elas acrescentaram no que eu sou hoje? Nada. Apenas aprendi, apliquei na prova e as esqueci, pois nunca mais tive a necessidade de usá-las.
O mesmo aconteceu com meus conhecimentos com relação à ligações atômicas, ou organelas e plantas, ou então as reflexões sobre termodinâmica, eletricidade e outras e outras mais que me tomaram tanto tempo preso nas salas de aula. Concordo que esses conhecimentos me ajudaram a passar no vestibular e a estudar na UFRJ, como faço hoje. Contudo, e o que mais? Será que a educação é isso, uma série de conhecimentos que visam ajudar o aluno a passar no vestibular?
Meus caminhos escolhidos hoje independeram de todas essas coisas importantes que aprendi e isso não significa que hoje sou melhor ou pior que qualquer outro que as use. Apenas escolhemos caminhos diferentes, somos pessoas diferentes. Então, por que algumas áreas são mais valorizadas do que outras? Seria a arte, a literatura, a religião, a mitologia, a história, a geografia, além de outras formas de conhecimento, menos importantes? Inúteis?
A resposta: talvez sim. Pois se formos parar para pensar, o que é útil, de verdade, para nós? Somos seres vivos, precisamos comer, respirar, descansar algumas horas por dia. Precisamos daquilo que é básico para a manutenção da nossa vida, e só. Todo o resto foram criações nossas, que hoje nos parecem importantes só porque nós demos importâncias para elas. E hoje, são coisas indispensáveis na nossa vida.
Uma frase que escutei uma vez e que mudou a minha vida, mas infelizmente não sei a referência, foi a seguinte: “O que distingue os seres humanos dos animais, é justamente a nossa capacidade de fazer coisas inúteis”. Fazer coisas inúteis, coisas que não estão necessariamente ligadas a manutenção e preservação da vida. Sair, brincar, pensar, refletir, construir coisas. Vivemos sem elas. Ou melhor, sobrevivemos sem elas. Mas aí, estaríamos negando a nossa humanidade, pois como seres humanos, estaríamos incompletos.
Hoje nós precisamos de celulares assim como precisamos de ar, porque em algum momento atribuímos valor a esse bem. Não precisamos dele para vivermos, mas precisamos dele para sermos humanos, modernos, antenados, atualizados e uma outra série de valores que fomos atribuindo como necessários a nós mesmos ao longo dos anos. Mas na mesma medida, precisamos de música para nos elevarmos, de fantasia para nos distrairmos e pensarmos, de religião, do mito e da História para darmos sentido a nossas vidas e podermos olhar para o mundo e não vermos apenas o caos e o nebuloso, mas sim algo que tem uma razão, que tem um nexo.
Por isso me ergo no direito de escrever literatura fantástica, pois esta é apenas uma das muitas manifestações que nos tornam humanos. Uma entre tantas outras coisas inúteis que queremos ou somos forçados a querer para garantir o nosso lugar no mundo. Se me perguntarem se fantasia é útil, eu direi que sim. E se me perguntarem porque, eu direi: “porque ela existe”. Se uma coisa existe, é porque é útil, porque em algum momento alguém olhou para ela, ou simplesmente pensou nela e passou a não conseguir mais viver a própria vida sem aquilo, imaginar a existência sem.
Só uma pena a nossa educação ser tão pragmática. Pois seria muito melhor se as escolas de hoje se preocupassem em formar seres humanos em sua totalidade, capazes de ver e sentir o mundo da forma mais intensa e completa possível. Matematizando-o sim, e também olhando para ele e vendo às suas reações químicas, energias físicas e a vida, mesmo que microscópica, em cada parte dela. Mas também, podendo senti-la, respeitá-la e conseguir sentido para sua própria existência. Uma escola que nos ensinasse que a vida não é só conquistas profissionais, vitórias financeiras ou estabilidade socioeconômica, mas também é ética, é sensibilidade, é empatia.
Pois não adianta sermos apenas homens e mulheres de sucesso em nossas carreiras. Temos de ser seres humanos capazes de ter razão e sensibilidade para as coisas mais naturais da vida. Pois não adianta meu colégio ensinar-me a resolver frações se não me ensina a não espancar uma mulher na rua por pensar que ela é uma prostituta, ou que me ajuda a entender as leis da física quando não me mostra que eu não devo queimar um índio no rua apenas por pensar que ele é um mendigo (esses exemplos lhes trouxeram alguma lembrança?). É essa sensibilidade que a arte nos dá que estamos perdendo, a capacidade de sentir empatia por aqueles que nos rodeiam. É o referencial para o futuro que a religião nos fornece, que estamos deixando de lado por considerá-lo inútil. É o sentido de relatividade e tolerância que a História nos dá , que deixamos de lado. Pois é olhando para o passado e vendo que nós não somos os mesmos de antes, que nossas visões de mundo, nossas ideias de certo e errado, nossa moral foi se modificando, que aprendemos a não acreditar que nossos valores são únicos e imutáveis, que não devemos privar o outro de sua razão de vida, apenas por não se enquadrarem a nossos valores.
Mas enfim, como diria Paulo Freire, esse é sem dúvidas um horizonte utópico, que talvez não chegue nunca. Ou talvez esteja mais próximo do que eu imagine, e meus filhos poderão gozar de um mundo melhor. Mas enquanto nenhuma previsão se confirma, continuo a fazer a minha parte. A fazer aquela coisa inútil de escrever fantasia, pois o mundo não precisa só de dinheiro e de estabilidade. Ele precisa também, de vez em quando, sonhar.

Agradeço especialmente ao Professor Reuber Scoffano, da Faculdade de Educação da UFRJ, pela ótima reflexão que me propõs em uma de suas magníficas aulas.

4 comentários:

  1. Eu acredito que muitos lêem e escrevem fantasia, como uma forma de escape, para fugir desse mundo real de rotinas e etc, e se transpor para personagens que vc sonha ser mas nunca será!

    E eu não acredito que todas aquelas "bobeiras" que aprendemos na escola não servem pra nada, acredito que tudo ajuda a formar o nosso "conteúdo", que nos torna mais ou menos perceptivo e interessante em relação ao mundo exterior e à nós mesmos.

    Excelente blog e trabalho com os livros, parabéns!

    http://lordvaynard.blogspot.com.br
    http://antennados.com.br

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  2. Um professor de uma escola, isso aconteceu foi há pouco tempo, falou para o meu colega que história de fantasia é muito fantasioso, muita mentira ao usar magia e um mundo fictício, e que não dá nada de construtivo para si mesmo.

    Mas, a esposa dele, também professora, amou a minha obra, no entanto pedi para o meu colega pedir para essa professora ler um trecho do meu livro, e possivelmente ela iria gostar tanto que faria o seu marido ler a tal cena.

    Não foi que este professor disse que não sabia que obras de fantasia mostrava atos de política e algumas questões da educação na sociedade atual, morais e éticas... Ele agora espera ansiosa pelo relançamento da minha obra.

    "E meus filhos poderão gozar de um mundo melhor."

    Posso dizer que estamos fazendo a nossa parte, não? Ótima analogia, Willian.

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  3. Eu amo literatura fantástica e, como você, acredito que ele acrescente muito ma formação do ser humano. Análise, crítica, sonho, determinações podem ser extraídos desse magnífico mundo e, está literatura, assim como as ciências humanas devem ser mais valorizadas na formação básica.


    Escrevi um texto no meu blog cujo o título é Afinal, o que é Inteligência em que a natureza das minhas buscas, casa-se um pouco com que disse.


    Se quiser conhecer, chama-se Escritos e Vida.


    www.escritosevida.blogspot.com

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  4. Já me perguntaram diversas vezes do motivo pelo qual eu escrevo fantasia, e eu respondo, de uma forma muito genérica, que eu gosto e procuro entreter as pessoas ao tentar despertar sensações durante a leitura. O motivo, de fato, para a Fantasia estar em alta hoje em dia é justamente esse alto juízo de valor que está em torno dela. Olha quantos livros, filmes, jogos estão pipocando com um mínimo elemento fantástico? É algo que a sociedade já tomou como "comum" mesmo sem perceber.

    Olha, tenho que concordar com você a respeito dos inumeros ensinamentos futeis que são ensinados na escola. Pra que raios eu devo saber se uma solução está ou não saturada, se devo ou não reconhecer quando uma equação está balanceada. Para que eu devo estudar os minimos detalhes do funcionamento de uma célula. É tanta informação que quando olho para todas elas me vejo perdido dentro de um nevoeiro. Por isso que quando estava no Ensino Médio, antes de uma prova, o pessoal dizia: "Tá estudando pra que? Estudar não dá futuro não." Realmente neste contexto, diante de uma prova de quimica ou biologia, esta frase se encaixa.

    A palavra chave mesmo é "valorização". Quando todos dão valor há algo, ela se torna útil e importante, independente se aquilo é realmente bom ou ruim.

    Ah, tu estuda na UFRJ, né Hm, não faço idéia de onde seja a facul de História. De repente já te vi pelo busão azul e nem percebi. lol

    abraços.

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