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quarta-feira, 29 de junho de 2011

O ato de se conhecer através do outro: a literatura e seu poder de criar realidades.



A literatura é sem dúvidas uma das experiências mais intensas de desestabilização da realidade. Através da leitura de um bom livro, somos capazes de nos deslocar de nós mesmos e sermos apresentados a um mundo completamente novo, cheio de novas possibilidades e impressões. No momento em que lemos, não somos mais nós mesmos. Pois um bom autor consegue fazer com que entremos na personalidade de sua personagem, em seu mundo, e nisto nos desprendemos de nossos próprios valores e ideais e passamos a compartilhar da visão de mundo do eu lírico.

Não há duvidas para mim que nenhuma pessoa seja capaz de sair imune de tal experiência. Pois a partir do momento em que somos realmente capazes de nos colocar no lugar de outro, mesmo que fictício, somos de tal forma confrontados com suas ânsias, dúvidas e perspectivas que dificilmente passaremos a ver a nós mesmos e nosso mundo como antes. Nesse sentido, a boa literatura não só nos eleva e nos dá prazer, mas em alguma medida nos transforma e nos faz ser melhores do que antes. Isso porque, quando estamos na pele de outra pessoa, não apenas somos capazes de conhecer melhor o outro, mas também conhecer um pouco mais de nós mesmos.

É através da relação que se estabelece entre o “eu”, leitor, e o “outro”, personagem, que podemos nos identificar ou não. E não é só a semelhança que encontramos que nos permite vermos como somos, mas, acima de tudo, é também a partir de nossas diferenças que descobrimos coisas de nós mesmo que nem sequer imaginávamos. E vemos que às vezes somos capazes de pensar, sentir e expressar emoções que na vida real julgaríamos impossíveis. Sei que estou sendo vago e confuso, por isso procurarei dar exemplos como forma de exemplificar melhor.

Como explicamos, por exemplo, alguém que nunca viveu um grande amor, conseguir chorar lento “Um amor para recordar”, de Nicolas Spark? Ou então um homem homossexual ser capaz de se apaixonar por personagens como Hermione, de “Harry Potter”, Capitu de “Dom Casmurro”, assim como um homem heterossexual sentir certa atração por personagens vigorosos como o Pierre de “De corpo e alma” (É isso aí, estou fazendo auto propaganda. risos) ou (que Deus me perdoe) o Edward de “Crepúsculo”? Ou ainda, para usar de um exemplo mais obscuro, alguém absolutamente normal e centrado, poder rir junto de vilões como o Coringa de “Batman”? Não necessariamente sentimos empatia apenas por aqueles que reconhecemos como sendo iguais a nós. Muitas vezes, somos capazes de compreender aqueles que são completamente diferentes, e torcer por eles através da leitura de um bom romance.

Não precisamos acreditar em vampiros para torcermos pelos amores impossíveis que permeiam nossa literatura atual, assim como não necessitamos de fé em bruxos e anjos para nos sentirmos eletrizados com as aventuras fantásticas. Pois se a literatura fosse apenas uma copiadora da realidade, logo a fantasia não teria a aceitação que ela tem hoje. Conseguimos assim compreender nós mesmos a partir do momento em que nos colocamos no ligar de outro, e a partir daí sabemos que somos capazes de sentir coisas que até então não julgávamos como parte de nossa natureza.

Pode parecer algo um tanto quanto romântico de minha interpretação, mas olhando por este escopo, chego até mesmo acreditar que exista alguma forma de essência que liga a nós como humanos. Com as quais, pessoas opostas em termos de credo, orientação sexual, etnia e outros desses divisores de águas que insistem em nos separar, podem se encontrar e partilhar da mesma vivência. E só por um momento, entender como é estar totalmente na pele de outro. E a arte nos proporciona isso, de alguma forma.

A cópia da realidade, neste caso, não tem como função espelhar o mundo do leitor, mas criar na ficção, signos que sejam capazes de estabelecer esse elo empático entre realidade e ficção, de forma a proporcionar ao leitor a possibilidade de entrar de cabeça do mundo proposto, de viver todas as alegrias e tristezas dos personagens, e ter a chance de voltar ao seu mundo sabendo que viveu uma experiência completamente nova da sua, que a partir daquele momento, você é diferente do que foi ontem, pois agregou a si, conhecimentos e valores que ao longo da experiência diária, jamais os teria, pois estes só podem ser acessados a partir do momento em que você se arriscou a ser outra pessoa.

3 comentários:

  1. O texto foi todo escrito por você? Nossa, parabéns, ficou excelente! ;D

    Leonardo Zegur

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  2. Olha o Léo aí em cima \o rs
    Concordo com ele, o texto está excelente! Aliás, quando li De Corpo e Alma, foi exatamente assim que me senti, encarnei a Victória.
    Mas e aí, Will... quando vc trará mais novidades pra gente??
    Beijos!
    PS: Vc e esse seu preconceito com Crepúsculo...

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  3. Oi galera. Que bom que gostaram. :) E Marie, que bom que De Corpo e Alma conseguiu acender essa chama. :) Só uma pequena correção: não é preconceito, pois eu li o livro antes de falar mal dele. hehe

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