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domingo, 7 de agosto de 2011

O autor, o eu lírico. Vozes mescladas


Quem de nós seria capaz de diferenciar com clareza, aquilo que sai da boca de um personagem, e logo se trata de um discurso de ficção, daquilo que na verdade é um pensamento do próprio autor e diz respeito a veiculação de uma ideia? Lanço esta pergunta pois a partir de que momento podemos dizer que tal pensamento é apenas um elemento constituinte de um enredo, usado única e exclusivamente para dar sentido à história ou à uma personagem em específico, ou quando há as chamadas “entrelinhas”, aquilo que o autor, na verdade, queria dizer a seu público. Uma ideia pessoal, que por não conseguir ser expressada abertamente acaba por usar dos canais da literatura para ser lançada de forma oculta, protegida pelo discurso ficcional.
Não pretendo neste ensaio fazer apologias nem mesmo acusações, e peço desculpas se parecer em algum momento que minha dissertação beira a teoria da conspiração, pois este não é necessariamente meu objetivo. O que me chamou, na realidade, para esse tipo de pensamento foi algo ocorrido já a algum tempo, com relação ao livro de Monteiro Lobato, - “Caçadas de Pedrinho, que compõe a série “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Este, como todos devem saber, foi acusado de possuir conteúdo racista pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), devido tanto a algumas comparações feitas entre a personagem Tia Anastácia e um macaco, quanto por comentários maldosos feitos pela boneca de pano Emília acerca da cozinheira do Sítio.
Tal acontecimento gerou grande polêmica na mídia em geral e inúmeros partidos foram tomados, uns alegando ser Lobato um racista, outros não. Deixando as investigações a respeito da vida pessoal do autor de lado, pensemos apenas no “Caçadas de Pedrinho”. De que maneira, através de um livro, seja ele de ficção ou não-ficção, seríamos capazes de encontrar elementos cabíveis para determinar se uma ideia é ou não algo partilhada por um autor? Digamos, por exemplo, que meu personagem de ficção seja um agressor de mulheres: descrevê-lo e construí-lo significa que eu por acaso sou a favor de tal atitude? Afinal, não existem agressores de mulheres no mundo? Omiti-los na escrita seria uma forma de não veicular tal ideia, ou seria apenas censura? Outro exemplo: pretendo eu, como historiador, fazer uma biografia de Adolf Hitler. O fato de escolher tal ícone para meu trabalho significa necessariamente partilhar de suas ideias? Ou este personagem histórico, devido a seu alto grau de malignidade deva ser trancado nos porões de esquecimento da história, para que seus projetos não sejam vislumbrados por mentes fracas e corruptíveis?
Esse não é um assunto simples, pois saber exatamente os limites que marcam a censura do silêncio ético não são claros em nenhum momento. Hoje falamos muito de tolerância e respeito e este é sem dúvidas um horizonte que deve ser buscado. Mas definir até que ponto devem ser caladas ideias que, direta ou indiretamente, agridam tais projetos de futuro é ainda mais complexo.
Seria Monteiro Lobato um racista? Sinceramente não sei dizer. Não apenas lendo as “Caçadas de Pedrinho” pelo menos. Quando penso nesse autor, gosto de me lembra do grande intelectual e militante que ele foi. E uso de minha boa fé para acreditar que tais comentários desrespeitosos nada mais sejam do que a tentativa de traçar um perfil que existe em nosso mundo e construir personagens que são uma realidade em nossa vivência, trazendo veracidade ao romance. E caso os conteúdos racistas sejam de fato propositais e expressem o seu ideal, que pelo menos o bom senso dos leitores saibam vê-los apenas como literatura de deleite e não panfletos que ditem as regras de como devemos pensar.
Todos nós temos autonomia, tanto de expressar nossa ideias quanto a de acatar a dos demais. E é dessa dupla autonomia que nos valemos na tentativa de tornar a igualdade, étnica, religiosa, sexual, entre tantas, uma realidade. A ética que temos de não fazer apologia às coisas erradas é a mesma que aqueles que escutam tem, de não concordar com tais pensamentos. Seria ótimo se a arte fosse um campo da vivência humana autônomo e completamente desvinculado dos demais, onde o único interesse do artista fosse com sua estética. Mas a realidade não é assim.
A arte é criada no mundo humanos por homens de carne e osso, e como tal, vive entrelaçada a todos os dilemas políticos, sociais, econômicos e culturais aos quais a humanidade está submetida. Nesse sentido, o discurso ficcional de Lobato está sujeito aos mesmos jugos que qualquer outro discurso. Eu, particularmente, ainda prefiro pensar na ficção como um campo neutro nesse sentido, pois por mais que alguém mal intencionado venha a querer empurrar seus conceitos errôneos para mim, tenho a total ciência que posso valer de meu poder de decisão para acatar ou repreender tal apologia. E desta forma, deixo a literatura ter a sua voz plena e livre.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá,

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  3. Texto muito bom!!!

    Realmente é difícil saber com exatidão até onde as falas dos personagens são na realidade pensamentos do autor, ou se se trata somente de frases ficcionais.

    Ótimo trabalho!

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