Sigam-me os Bons

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Verossimilhança – um desafio para a literatura fantástica.



Aproveitando a linha de pensamento proposta por meu próprio ensaio anterior (Mito, Fantasia e Mentira), aonde eu discuto a Fantasia como sendo algo que vai além da Mentira, sendo, na verdade, uma forma de interpretação do universo, levando-se em consideração os elementos que constituem a realidade para aquele grupo, eu gostaria de propor, nesse novo ensaio, pensarmos a literatura fantástica e, principalmente, discutir como alguns mitos são apresentados.
Isso pode parecer uma opinião unicamente minha, mas me sinto tentado a expô-la aqui devido a um fenômeno que eu venho reparando em alguns novos títulos que vão surgindo: o de total desrespeito ao mito. Como desrespeito, eu quero dizer, um profundo desinteresse por parte de alguns escritores de recorrer a uma mínima pesquisa que seja, para tentar entender, mesmo que parcialmente, sobre aquilo que estão escrevendo.  Nesse contexto, personagens míticos como vampiros, espíritos ou demônios, se mostram cada vez mais descaracterizados em alguns livros que hoje aparecem nas livrarias. Eu, particularmente, considero isso uma preguiça e também falta de profissionalismo, pois, a partir do momento que você cria algo novo, tem todo o direito de trabalhá-lo como achar mais conveniente, mas quando se usa algo já existente, criado por alguém, levando-se em consideração os mais variados elementos, acho no mínimo interessante que se escute o que esse criador tem a dizer sobre sua criatura.
Ou seja, quando falamos de um mito como o do vampiro, por exemplo, criado desde os princípios da Idade Média, primeiramente apresentado como um morto vivo ambulante, até chegar a uma figura aristocrática como o “Drácula” de Bram Stoker, há aí toda uma construção cultural que se leva tempo para se formar e que com o fenômeno de popularização desse mito, tem se mostrado cada vez mais degenerado através de representações “inventivas”, onde o que é construído de novo, não apresenta nenhum respeito ao que foi feito antes. Como se o antes, nada mais fosse do que crendice, superstição, mentira, algo que já discuti antes e considero errado.
Não quero dizer com isso que não devemos inventar nada de novo, mas sim que devemos sempre prestar atenção no que já foi produzido e nos contextos em que foram, para tentar construir algo novo da melhor forma possível e assim, criar o ponto central de discussão desse artigo: a Verossimilhança.
Por que a Verossimilhança é tão importante para a literatura fantástica? Simplesmente por que essa é a função da arte fantástica, assim como toda a arte em geral. A arte tem como função a de criar um novo mundo, uma nova possibilidade de mundo. Ela não tem compromisso com a realidade em si, mas sim com a possibilidade, então, por mais fantasioso que uma história pareça, seria interessante que ela exigisse do leitor o mínimo de abstração possível. Não quero dizer com isso que o leitor tenha que sair de um livro paranóico, acreditando que vampiros de fato existam, mas eu acho interessante que ele saía dele pelo menos pensando: “Nossa, isso até poderia ser possível”. E que, naquelas horas em que ele se dedicou à leitura, que de fato ele esteja envolvido, fascinado e que as situações da história sejam o menos risível possível.
E é assim que se cria a verossimilhança, tão cara à arte e permitindo ao leitor viajar com mais facilidade nesse universo fictício. Um exemplo muito bom, em minha opinião, é o livro de Anne Rice, “A rainha dos condenados”, aonde ela, usando da mitologia egípcia, tenta construir um novo mito para a gênesis do vampiro. Esse é de fato um trabalho genial, pois ela consegue fazer com que dois mitos trabalhem juntos para construir uma nova história e, dessa forma, trabalhar para que sua história seja mais fascinante e menos risível. Em minha opinião, ela é o exemplo máximo de trabalho com mitos na literatura, pois qualquer um que leia um livro dela – pelo menos os que eu li como, “Vampiro Lestat” e a “Rainha dos condenados” - sabe que houve trabalho de pesquisa para criar seu mundo. Pois não só os vampiros, mas também a própria sociedade da época representada é muito bem construída.
Outro autor também muito bom nesse aspecto, apesar de não ser da área de fantasia e muito criticado por ser considerado “Popstar” é Dan Brown. Apesar de toda a loucura do que o Graal possa parecer para alguns, de fato temos que dizer que o “Código Da Vince” é no mínimo interessante e de fato faz quem ler pensar: “É, isso poderia ser possível”.
No meu atual projeto, “O Salto”, eu estou interessado em discutir o mito cristão dos anjos e dos demônios, coisa que eu acho da mais interessante do mundo e para isso, estou me propondo a pesquisar sobre o assunto para poder falar. Apesar desses personagens já estarem enraivados no imaginário popular e todos basicamente saberem, mesmo que minimamente, o que são anjos e o que são demônios, eu considero de extrema importância ler sobre, refinar meu entendimento do assunto. Então, mesmo não sendo católico, luterano, anglicano, evangélico, ou etc., etc., etc. eu resolvi ler a “Bíblia” e tentar ver como os primeiros pensaram esses mitos. E além da “Bíblia”, também recorri aos textos apócrifos do sécs. I, II e III para me auxiliar, tais como “Os Manuscritos do Mar Morto”, “O Livro de Enoque”, “O testamento de Salomão”. E também outros autores contemporâneos que falam do tema, como Saramago em seu “Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Tudo isso para criar uma história o mais interessante possível, aonde a barreira entre o mito e a realidade seja o menos perceptível possível, criando a verossimilhança.
Digo já de antemão que essa é minha pretensão, o que quer dizer que não sei se conseguirei meu intento, mas estou muito interessado em seguir em frente, pois acho importante respeitarmos determinados mitos ao escrever sobre eles, e se formos construir algo novo, destruindo o antigo, que o façamos de forma profissional tentando interpretá-los como algo além da mera baboseira sobrenatural.

6 comentários:

  1. p mim as pessoas se apegam a literatura fantastica porque o mundo ja está real demais, n sendo uma mentira
    de uma olhada no meu blog!
    e um abraço

    ResponderExcluir
  2. De fato, eu concordo com o que você disse. Até por que, eu também utilizo muito da literatura fantástica como uma "Valvula de escape" do mundo real, permitindo minha mente viajar um pouco por um mar de possibilidades.
    Porém, o que eu acho importante, exeto para obras que trabalham com um mundo totalmente criado - como o caso de "O Senhor dos Aneis", "Eragom" e, até em partes, Harry Potter - histórias que trabalham com o mundo real, tem que criar mecanismos de Verossimilhança.
    Não que eu diga que a história tem que ser totalmente racional, pois se fosse, não seria fantástica, mas que sim, que crie mecanismos que permitam o leitor a adentrar mais e mais na história. Acho importante isso, pois, como Aristóteles mesmo dizia na "Poética", é necessário que a arte crie um universo de possibilidades para aquele quem ela prestigia, pois só assim, ele é capaz de se comover como a obra, gerando a catarse.
    Abração cara e valeu pelo comentário

    ResponderExcluir
  3. Bem interessante este post. Realmente os escritores estão cada vez mais se desvirtuando das origens daquilo que utiliza em suas criações. Para mim, acho que a ansiedade em começar logo a escrever pesa demais na maioria dos escritores. O máximo que fazem é uma análise sucinta de uma pesquisa, e com base nisso, passa a construir sua história. Você não mencionou de forma direta, mas a saga Crepúsculo se encaixaria perfeito nisso aí. Mas olha só. Não é por causa disso que ela deixa de vender seus livros que nem pão quente. Ela simplesmente soube conquistar um público alvo de meninas adolescentes, mesmo que para isso, tenha dilacerado a cultura vampiresca.
    Nunca li a Rainha dos Condenados, mas parece ser interessante, pelo o que já li a respeito da obra. O Código da Vinci acabei vendo o filme primeiro, e não peguei para ler o livro. Mas um dia eu lerei.
    Tenho que confessar que também sou um dos que não pesquisam à fundo sobre o que quer contar. Me surpreendi com o quanto de livros você já leu só para escrever um. No meu caso, sou meio ansioso mesmo, mas quanto ao Mundo Sombrio que escrevo, arrisco que tenho a história em evolução na mente há mais de cinco anos. Mas claro, que não deixo de fazer algumas pesquisas.
    Se for para mudar alguma coisa, é necessário que tenha alguma gênese que explique tal mudança.
    E realmente você tem razão quanto a não destruir alguns mitos antigos. Se já temos vampiros com purpurina e que brilham no sol, e pelo que dizem, lobisomens que não precisam de lua cheia, daqui a pouco teremos hobbits de 2 metros de altura.( tá, essa foi forçada)

    ResponderExcluir
  4. O artigo está mto interessante. Tbm não gosto de certas novas roupagens que dão à certas criaturas, como os vampiros que sempre, em todo e qualquer tempo, em toda e qualquer cultura, são seres maléficos. Até mesmo na literatura espíritualista há os chamados "espíritos vampirizadores", que são obsessores que se ligam a um encarnado ou outro espírito para ir minando dele sua força, como um parasita.
    Quanto aos demônios, eu lhe dou a sugestão de buscar além da literatura judaico-cristã, mas busque tbm através de folclores e literaturas de outros países não contaminados pelo cristianismo judaico, como os povos orientais. Até mesmo na literatura espírita (e vc encontra até mesmo no pentateuco básico do Espiritismo) há fontes informando sobre os demônios e anjos. E busque tbm a raíz das palavras, que vc encontrará o seu real significado e origem.No tempo antigo, demônio era o estrangeiro, o diferente, não necessariamente mal. O mal eterno e irreparável é algo criado pela Igreja para fins lucrativos rs
    Os anjos (não sou fã de anjo XD), se não me engano, são uma representação dos seres divinos do antigo Egito, onde nas pinturas apareciam seres alados. Não sou nenhum militante contra a Igreja, mas ela é um sincretismo de religiões antigas e mtos de seus simbolos e personagens provém das antigas cresças, pois essa foi a forma mais eficiente que os romanos descobriram para matar as culturas antigas.
    :)

    ResponderExcluir
  5. srrsrsrs
    Bem, respondendo em partes:
    Achei interessante você, Luiz, Fakar em Crepúsculo, pois este foi na verdade um dos alvos da crítica, mas também concordo com você que nada disso vai modificar o gosto que os fãs tem por essa obra, nem nos rios de dinheiro que a autora está ganhando.
    Eu sei bem que a proposta do livro é outroa, pois a própria Stephanie Meyer falou que nunca foi fã de literatura sobrenatural antes de escrever Crepúsculo, por isso ela se focou na relação amorosa mesmo e usou apenas o vampiro como pano de fundo.
    Apesar de saber bem isso, ainda fico um pouco indignado com o desrespeito, mas no fundo, tudo bem, cada um sabe o que escreve e por isso que eu também estou escrevendo esse artigo.

    Recomendo sim que você leia a Rai nha dos condenados. na verdade, seria até melhor ler logo a trilogia: Entrevista com vampiro, Vampiro Lestat, E Rainha dos condenados, pois aquela mulher é um monstro e escreve, muito, muito bem.
    Hobbits com dois metros?!
    Nossa, forçou mesmo. rsrsrsrsrs

    ResponderExcluir
  6. Agora, o comentário do Snake.
    Achei interessante essa sua observação sobre os estudos do demônio, pois, na verdade, esse mito não foi criação do Cristianismo, embora tenha ganho muita força com ele. Mas no "Salto", eu pretendo fazer uma discussão de caráter um tanto teológico sobre Lucifer, numa discussão que vai envolver, um Anjo, Um demônio e Uma mortal.Por isso me direcionei mais pelos escritos judaicos-cristãos para sazer como esses seres são vistos pela religião.
    Você não gosta de anjos? Que pena. srsrsrs. Eles são tão legais. :)
    Abraços

    ResponderExcluir