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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

“A arte imita a vida”. Até que ponto?


“A arte imita a vida”. Já escutei essa frase milhares de vezes, mas sinceramente não sei a sua origem. Porém, o que importa aqui não é quem disse, mas o que disse. O entendimento da arte como imitação, simulação, cópia, etc., não é novo. Na verdade, é mais antigo do que a Era Comum, pois, muito antes do nascimento de Cristo, já se havia essa discussão de como a arte é capaz de copiar a realidade. Desde Platão e Aristóteles que essa discussão já é travada. Mas sem queremos entrar no debate se essa imitação é boa ou ruim, acho mais interessante é pensar como ela ocorre.
Se formos pensar na proposta realista, por exemplo, a coisa fica mais fácil, já que esse movimento literário ficou marcado como uma tentativa de se mostrar a realidade como ela é: sem personagens romanceados, nem situações subjetivas. Nesse tipo de proposta, nós podemos claramente observar a imitação da realidade. Uma tentativa de se construir um cenário que muito venha a se assemelhar ao mundo empírico. Mas e quando a obra de arte em si não só imita a vida, mas também acrescenta algo a ela?
 Até que ponto há imitação em uma arte que cria coisas, que acrescenta elementos, personagens, mundos e contextos que não condizem com a realidade? Onde há a imitação nesse tipo de trabalho? E é nesse aspecto, a literatura fantástica entra. Pois ela, talvez mais que as outras, tem a tendência a não apenas imitar a vida, mas também a acrescentá-la com magia de magia.  
A imitação, segundo Aristóteles, é o elemento necessário para a arte dramática, pois é a partir dela que o espectador pode se aproximar daquilo que é encenado e também partilhar do sentimento do personagem, sendo capaz de sofre come ele, rir com ele, chorar com ele. E esse elo empático só é possível quando há alguma forma de reconhecimento do espectador com àquela realidade proposta pela arte. E esse reconhecimento só é possível com a imitação, a simulação, a verossimilhança. Mas então, seria a literatura fantástica, por acrescentar elementos à realidade, algo por fora disso?
Bem, acredito que a resposta seja não. Pois afinal, quem não chora com as mortes dos personagens de Harry Potter, ou não se aflige com as dúvidas de Lestat ou se sente eufórico com as batalhas entre os Navi e os humanos em Avatar? Mas se, seguindo a linha de Aristóteles, pensarmos que esse elo empático com a arte só é possível se houver imitação, então, como ela ocorre na literatura fantástica?
Talvez a resposta seja um pouco mais simples do que pareça. Por que, de fato, mesmo a literatura fantástica tem que haver seu grau de imitação. Vamos pensar, por exemplo, na Obra, “O senhor dos anéis” de J. R. R. Tolkien. Onde há imitação ali? Tá certo que o mundo possui Dragões, Entes, Elfos e outras criaturas fantásticas, mas também têm Castelos, Humanos, Cavaleiros, que nada mais são do que coisas reais, que existiram ou ainda existem no nosso mundo. E pensando além mais, o que é um Dragão se não uma espécie de lagarto gigante como os dinossauros foram. Ou o que é o Elfo se não um humano com orelhas pontudas. Ou mais, o eu é um Ente se não uma árvore gigante que anda e fala. O que eu quero dizer é, que mesmo a mais fantástica das criaturas, é construída – ou melhor – só pode ser construída, a partir de elementos da própria realidade. E é esse o grau de imitação, presente até mesmo na fantasia, que nos dá reconhecimento.
Nada é criado pura e simplesmente do nada. O que há, por exemplo, é uma reinterpretação. Um ajuste, algumas mudanças. De acordo com Aristóteles, a arte trabalha com o mundo das possibilidades e por isso, nem sempre comporta coisas que realmente existem, mas sim coisas que poderiam existir. Mas até esse ‘poderiam’ precisa de uma estrutura, um pano de fundo, e esse é sempre o mundo empírico. É só observar que cada elemento inexistente criado pela imaginação humana, tem o mínimo de parentesco com o mundo físico.
Magos, Sereias, fadas... Nada mais são do que elementos da vida, mas que são modificados e transformados, para dar forma à fantasia.

* Imagem retirada do site Lar dos Monstros

2 comentários:

  1. Concordo plenamente. Até mesmo a literatura de fantasia que nos dá a impressão de que esta frase não condiz com o gênero, tem sim a sua imitação. Toda a criação não vem do nada, ela sempre tem um embasamento capaz de transformá-la em algo novo. Acho que o conceito da criatividade é semelhante aquela frase que escutamos nas aulas de Biolgia: "Na natureza nada se cria, nada se perde,tudo se transforma."
    Do mesmo modo, no processo de criação de uma história, não criamos nada do novo, aderimos alguma idéia já existente e a alteramos, não deixando que a idéia original se perca no tempo. É isso o que acontece com os vampiros, magos, e outras criaturas que vemos em diversos mundos fantásticos. Eles não se perderam no tempo, e nem foram criadas do nada, foram apenas transformados para condizerem com o mundo emq ue foram inseridos.

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