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sábado, 23 de outubro de 2010

A formação de um clássico e a qualidade da literatura.


O que é um clássico? Como ele se forma? Quais são os atributos necessários para uma obra poder ser chamada assim? Essas são algumas das perguntas que servirão de guia para este ensaio.
Um clássico é, acima de tudo, um trabalho que consegue atravessar gerações. Ele tem a capacidade de transpor o seu tempo e servir de referência para autores e leitores anos, décadas, séculos, ou milênios depois. Entretanto, o que caracterizaria essa permanência?
Meu pensamento neste presente artigo pode parecer herege para muitos no começo, mas peço que vocês, antes de tomarem qualquer juízo, leiam-no todo para poderem entender aonde eu quero chegar.
Basicamente, duas idéias parecem naturalmente vinculadas quando falamos de um clássico: a idéia de qualidade, e a idéia de gênio. E são essas idéias que eu gostaria de problematizar. Seria realmente a qualidade, o único motor gerador de um clássico? Seria sua formação tributária apenas do gênio do autor?
Por que toco nesse assunto? Pois sinceramente me sinto um pouco incomodado com essa idéia. Não porque ache os clássicos ruins, mas porque ela geralmente delega à literatura contemporânea um patamar eternamente inferior. Então, por isso trago o problema da formação de um clássico para a questão e pretendo, nessas poucas palavras, apresentar outros elementos necessários para a formação de um clássico.
Muitos trabalhos foram produzidos ao longo da existência humana, muitos chegaram até nós, outros não. Alguns foram imortalizados, outros, foram relegados ao esquecimento. Mas a que interesses esses livros atendiam para serem imortalizados? Pensemos, por exemplo, na “Divina Comédia de Dante”, em “Os Lusíadas” de Camões, e em “Dom Quixote” de Cervantes. Esses foram, sem dúvidas, livros fundamentais para países específicos. Não só por sua qualidade, mas porque eles foram os trabalhos que conseguiram, pela primeira vez, sistematizar toda uma língua na forma de escrita. Podemos dizer sim que “Os Lusíadas” foi a obra que consolidou a língua portuguesa, trabalho esse que “A Divina Comédia” fez pelo idioma italiano e “Dom Quixote” pelo castelhano. Muito além de boas obras literárias, esses trabalhos tiveram como função sistematizar uma língua regional que até então só existia na fala, e transformaram-na em códigos escritos.
Outro exemplo, agora de natureza diferente. Pensemos nos clássicos gregos e romanos. Nos tratados filosóficos de Platão, Cícero e Aristóteles; nas dramaturgias de Eurípides, Ésquilo e Sófocles; nos escritos históricos de Políbio e Tucídides. O que os transformou em clássicos? Seria apenas a sua qualidade? Mais uma vez repito, não estou dizendo que esses trabalhos não tenham a sua qualidade, mas convido a você, leitor, a tentar olhar para eles através de um escopo mais amplo, podendo ver o que de além existe em sua constituição. O que quero chamar a atenção é para o fato de que esses livros, além de trazerem idéias, relatos ou representações de grande qualidade, também são parte dos poucos resquícios que a antiguidade nos deixou. São os poucos traços que ainda tempos daquele período e que nos permitem olhar para trás e reconhecer alguma coisa. Logo, muito mais do que uma função estético-artística, esses trabalhos nos servem como fontes de memória e de história.
Eu poderia aqui expor vários outros exemplos, mas para não desgastá-los demais com isso, proponho chegar logo à minha idéia principal. O que quero dizer com essas palavras não é que os clássicos sejam livros de baixa qualidade, ou que a imagem que se tenha criado em cima deles seja falsa. Não é isso, mas que temos sim que desnaturalizar a idéia do “gênio” presente neles e que guia a nossa forma de pensar, relacionando unicamente a formação de um clássico a um mérito qualitativo. Um clássico é um livro que, muito além de atender a necessidades estéticas, consegue trazer méritos além do artístico. E é por conta disso que sobrevivem, e por isso que são preservados.
Um clássico nunca é clássico no tempo em que foi construído. Sófocles, Goethe, Machado, Alencar, Flaubert, nenhum desses homens nasceram clássicos. Isso porque um clássico só pode ser construído depois de sua existência. Logo, o fato de nossa jovem literatura não ter nenhum clássico, não se deve ao fato dos escritores de hoje serem inferiores, ou comerciais, ou que adjetivo se queira usar. Mas porque ainda não se deu o tempo de eles se imortalizarem. Não se deu o tempo para que eles se tornassem gênios. Por melhores que sejam, ainda é preciso que eles desapareçam da vida para poderem entrar para a história.
A idéia de um gênio, como um homem, ou mulher, à frente do seu tempo, dotado de características especiais e que consegue se elevar diante de seus semelhantes não cabe aqui. Pois por mais talentoso que um indivíduo seja, ele só será de fato considerado um gênio se alguém reconhecer isso nele. Se alguém puder enxergar no seu trabalho algo de bom, algo de útil. E normalmente essa utilidade só é possível de se conseguir depois que ele se foi, pois enquanto vivo, um gênio ainda tem palavra, ainda pode se contrapuser a utilidade em que a ele é atribuída. Mas um morto, uma memória, não. Ela é utilizada, ela é construída sem o risco de que seu verdadeiro autor diga: “eu não tive a intenção disso”, ou, “eu não sou assim”. Posso estar acabando esse ensaio de maneira um tanto abrupta, mas faço disso um recurso para poder retomar esse assunto na próxima postagem.
Então, acho interessante tentar terminar esse artigo com uma pergunta que vise à reflexão prévia para meu próximo ensaio: “porque será que a maioria dos clássicos não é reconhecida em seu tempo?” 

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