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sábado, 4 de junho de 2011

Linguagem culta e linguagem coloquial.

Faz um tempo que tenho acompanhado toda essa polêmica envolvendo o livro didático “Por uma vida melhor”, que a imprensa atacou ferozmente alegando que o trabalho ensinava o português errado para as crianças, defendendo termos como “nós pega o peixe” e dificultando o ensino de português no Brasil. Agora falando sinceramente, faz realmente muito tempo em que eu perdi a fé na mídia brasileira, pois esta, ao invés de procurar expor os casos com responsabilidade e profissionalismo, sempre que pode pula em cima de alguma polêmica como um tubarão em cima de uma carcaça e, de tanto distorcer os fatos, acaba empurrando para o público algo pouco condizente com as reais propostas.


Digo isto porque realmente fiquei decepcionado com a maneira como um tema de tamanha importância foi tratado. Pois em nenhum momento o livro “Por uma vida melhor” propôs dizer que a escrita “nós pega o peixe” estava correta de acordo com as normas cultas da língua portuguesa. Pelo contrário, ele defendia sim a existência de regras oficiais para se tratar o idioma, contudo, indo além dos livros didáticos convencionais que se preocupam unicamente em reproduzir regras que nos enchem de teorias e leis pouco aplicáveis na vida ao invés de nos ensinar o prazer da leitura e da escrita, o livro “Por uma vida melhor” tentou ir além, e mostrar para o jovem brasileiro que a língua é algo maior do que as regras da gramática.

O idioma não é só um conjunto de regras que temos de decorar para passarmos no vestibular. É também a forma como nosso povo se expressa, se comunica e assim cria seus laços de grupo e de identidade. E muito além daquelas leis clássica que temos de gravar na escola, a língua portuguesa mostra sua verdadeira vida no dia a dia, no cotidiano onde as pessoas dão uso e forma a ela. Onde as palavras são revestidas de nossos sentidos e reinventadas para dar coerência a realidade do povo. É neste contexto que surge uma linguagem que podemos chamar de vulgar, embora eu prefira o termo coloquial. Uma linguagem própria das relações humanas, da nossa vivência e que não está sujeita as regras da norma culta.

Agora, dizer que determinada forma de se expressar está simplesmente errada e que não se deve falar de uma determinada forma ou de outra é um pecado contra a língua, pois além de tirar seu caráter mais vivo, também trai aquele que é o significado da linguagem, a razão pela qual ela existe: a de dar sentido ao mundo e se comunicar. Em uma comunidade em que dizer “nós pega o peixe” é capaz de fazer sentido tanto para quem fala quanto para quem escuta é totalmente válido do ponto de vista coloquial. Pois uma coisa é a linguagem do nosso cotidiano, aquela que usamos para nos comunicarmos sem necessariamente estarmos atentos às questões de concordância e gramática, outra é a linguagem escrita, oficial. Esta sim deve estar submetida as regras, principalmente quando lançadas em meio de circulações, como publicações.

O que o trabalho “Por uma vida melhor” queria mostrar era justamente isso. Que existem duas formas distintas de lidar com a língua. Uma que é a forma tida culta, oficial, “correta”, que deve ser aplicada a nossa escrita e que deve ser aprendida nas instituições de ensino. Mas também existe outra, aquela que usamos em nossa vida, que é sujeita a modificações dependendo do local onde é empregada, da forma que ganha conotações. Agora, é uma pena que uma idéia a meu ver tão revolucionária e progressista tenha sido obscurecida por uma corja de eruditos petulantes que, protegidos em suas torres de marfim e encobertos pela ignorância de sua erudição não conseguiram ver que a língua pertence a um mundo que é muito maior que suas bibliotecas. Assim como a questão que permeia a linguagem falada e a linguagem escrita é muito mais complexa e rica do que um simples jogo em se atribuir que tal forma de se expressar é errada e outra é correta.

Confesso que não acho o termo “nos pega o peixe” dos mais agradáveis de ouvir. Mas isso não quer dizer que não deva existir como forma de expressão de um agrupamento humano. Pois se formos parar para por as mãos na consciência, quantos de nós não cometemos todos os dias, erros de fala. Usamos termos ou expressões que não são corretos de acordo com um norma oficial, mas que mesmo assim são empregados por nós na nossa vivência e que por não serem tão agressivos a nossos tímpanos como “nós pega o peixe”, acabam passando despercebido.

Se a escrita me ensinou uma coisa foi de que a língua portuguesa é riquíssima e que grande parte de toda essa riqueza se deve ao fato desta ser uma língua viva, que está a todo o momento sendo utilizada, reinventada e re significada nas relações humanas e que por mais que setores mais conservadores queiram enquadrá-la em um determinado padrão, ela transcende as regras e encontra sua verdadeira face nas ruas, na vida. Só espero que chegue o dia em que essa constante maneira de se dar nova forma a língua não seja mais vista como uma barreira contra a norma culta, mas sim como o campo de possibilidades de se manter viva uma tradição, como realmente é.


4 comentários:

  1. Oiee muito bom seu último post e conferi tbm o BookTrailer. Ficou demais os três. Adoro a música do segundo. Vi que um de seus livros saiu pela Multifoco, estou com um livro em avaliação... Vc tem alguma dica para me dar.
    Abraços e sucesso.
    Lilo

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  2. Oi Willian,
    Sou Portuguesa e Professora de Língua Portuguesa e História. Visualizei, casualmente, o teu blog,
    Para Historiador em formação, eu acho , que você já está formado.
    Como escritor, escreve muito bem, de forma muito clara e precisa. E és muito jovem!
    Pois é, a questão da Lingua Portuguesa... O Português do Brasil é diferente do Português de Portugal. O nosso é mais coloquial, embora, e devido ao elevadíssimo número de Brasileiros a viver em Portugal, e também devido às novelas, os Portugueses usam muitas expressões vossas. Eu, por exemplo, iniciei o meu comentário com a saudação "oi".
    Os brasileiros são mais soltos, que nós, falam o Português açucarado, como lhe chamo.
    Abraços com luz,
    afectosecumplicidades.blogspot.com

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  3. Obrigado Luz. É muito bom receber um elogio de alguém de seu gabarito. :) Obrigado mesmo.
    E Lilo, fico imensamente feliz que tenha gostado. Bem, quanto a dicas, as que posso lhe dar de antemão é, primeiro, esteja sempre divulgando seu trabalho, seja via internet ou por outros meios. E o segundo, quando for procurar editoras, começe pelas pequenas, pois nos dão mais atenção que as grandes no momento inicial de nossas carreiras. Boa sorte. Beijão

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  4. Willian, muito bom seu texto, tenho que fazer um texto de português referente a língua culta e lendo o seu tive algumas idéias... Tipo eu não tenho gabarito como a professora ai em cima mas mesmo assim muito bom seu texto ^^

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