Sigam-me os Bons

domingo, 14 de agosto de 2011

Realismo


Quantos de nós já não escutamos a seguinte expressão: “essa história mostra a realidade”? E quantos já perceberam que sempre que sempre que esta frase é lançada, está sempre associada à tragédia, desgraça ou degeneração? Coincidência?
É muito comum livros, filmes ou até mesmo músicas, que tratam da violência, das drogas, das perversões e outros malefícios presentes em nossa sociedade serem taxados de realistas e corajosos, pois são eles que mostram a verdade para o apreciador. E outros trabalhos de cunho mais “suave”, como romances-água-com-açúcar ou comédias são tratados como alienantes e falsos.
Pois bem, por incrível que possa parecer, essa reflexão me veio à cabeça depois de uma interessante discussão sobre “Malhação”. Isso mesmo, a novela teen da rede globo. Pois estava eu escutando alguns colegas afirmarem que não conseguem entender como as pessoas acreditam que jovens, em pleno o século XXI, possam se divertir indo a lanchonete local para tomar suco, ou então passarem pela vida escolar sem bebidas alcoólicas ou cigarros. Sem dúvidas, esta novela não mostra a realidade, pois a juventude universitária e de ensino médio não é assim. E foi neste momento que me veio o estalo.
Longe de querer defender a novelinha – que só para constar, não me agrada nem um pouco – devo dizer que eu, aos meus 22 anos, não fumo, não bebo, tenho como hobbies a leitura, o cinema, a saída com amigos para comer, onde tomamos refrigerante e suco, e não curto passar as noites em bares ou boates. Bem, pode não parecer, mas esse tipo de ser humano existe e não sou apenas eu, mas muitos de meu convívio social. E aproveitando para falar de violência urbana, devo dizer que eu, na minha infância, não sofri Bulling – palavra da moda ultimamente – e até hoje – com a graça da natureza - só fui assaltado uma única vez, sem armas de fogo e onde a única coisa que os assaltantes conseguiram me tomar foi uma barra de chocolate. É sério, não estou brincando.
Resolvi dizer isso de forma clara e franca, não querendo levantar a bandeira ou promover um manifesto em favor da caretice, mas sim por vontade de apresentar uma realidade: a minha. Pois o que noto é que realismo e pessimismo são conceitos que normalmente se confundem na cabeça das pessoas, e uma obra de ficção que trate de “conflitos menores”, como amor da adolescência, problemas familiares ou relação de amizade entre um homem e seu cão são vistos como inferiores, ao passo que aqueles que apresentam um quadro caótico, degenerado e destrutivo, são ovacionados pela crítica por sua coragem em descrever a vida como ela realmente é. Nada contra Nelson Rodrigues, mas é importante lembrar que as maneiras de se ver, sentir e entender, isso que insistimos erroneamente em nomear no singular de “realidade”, são plurais. Cada ser humano vai experimentar o mundo de diversas maneiras, passado por momentos bons e ruins que não necessariamente serão sentidos da mesma forma por outras pessoas.
O fato de eu não gostar de bebidas alcoólicas, por exemplo, não significa que o alcoolismo é um mito, como também não quer dizer que eu seja alienado ou algo do tipo, mas sim que a minha maneira de experimentar a realidade é outra de muitos outros que preferem se divertir através de outros caminhos. Assim como o fato de a violência existir, não significa que todo mundo vive com ela ás suas portas, pois podem haver aqueles sortudos que sequer tem idéia dela, que vivem afastados do rebuliço e só escutam falar de assaltos ou assassinatos através das manchetes de jornal.
Nesse sentido, falar de realidade no singular é muito perigoso, pois tudo o que podemos apresentar enquanto artistas – sejamos escritores, poetas, músicos ou atores -, são apenas faces desta grande verdade, que pode ser feia ou bonita, mas ainda assim é só uma parte. Posso assim dizer com grande margem de certeza que livros como “Um amor para recordar”, “Fala sério, mãe” ou “Marley e eu” são trabalhos que a meu ver possuem tanta capacidade de expressar “a vida como ela é” tal quais outros como “Clube dos homens bonitos”, “A elite da tropa”, ou “O Cortiço”. Pois todos eles mostram escopos dessa realidade. Ou melhor, escopos dessas múltiplas realidades que temos a nossa disposição.
Todas as manifestações artísticas mostram de alguma forma a realidade. Seja a do Brasil, seja a da África, seja a das pessoas mais carentes até as mais afortunadas, que não possuem preocupações. Todas as formas de se viver a vida são reais e não podem ser chamadas de ilusórias só porque em algum contexto, existe o oposto. O fato de haver violência não impede um indivíduo de experimentar a paz, assim como o ódio não produz a impossibilidade do amor. Esses conceitos antagônicos convivem no mesmo mundo sem se anularem, logo, não cabe a nós atribuir uma experiência como falsa, apenas porque ela não se apresenta em nossas vidas ou no mundo como um todo.
E até mesmo a fantasia, expressando aquilo que existe apenas em nossa imaginação, é também uma realidade. Uma realidade que pode não se apresentar de forma empírica no cotidiano, mas que ainda assim existe e tem como prova de sua veracidade o fato de usarmos e precisarmos dela para viver nossa existência no mundo.

3 comentários:

  1. Eu acredito que muitos dizem que esses filmes chocantes mostram a realidade, pelo fato de mostrarem os maiores problemas da nossa época, pois um conflito amoroso é a realidade de um cidadão em específico, agora filmes e outras coisas que mostram, trafico e violência, mostram uma realidade compartilhada por muitos, que sequer podem deixar de partilhar desta.

    Essa é a minha opinião.

    ResponderExcluir
  2. Entendo seu ponto de vista, mas devo dizer que o comentário do Vaynard também é válido. O assunto dá uma boa discussão... talvez eu escreva sobre isto no futuro. Parabéns por tratar temas tão interessantes no blog - já estou seguindo-o.

    ResponderExcluir
  3. Eu também concordo que a idéia de se usar o termo realidade seja um pouco esta, mas ainda assim me incomoda esse "realidade", no singular, que procura universalizar experiências que são muitas vezes pessoais, negando assim a possibilidade de outras formas de interpretação do mundo. De fato, isto dá pamp para manga para uma excelente discussão. E este é exatamente o objetivo. ^^ Obrigado por contribuirem com o debate.

    ResponderExcluir