Sei que normalmente dedico este blog, e em especial esta coluna, a falar acerca de livros, contudo, peças de teatro também são gêneros literários, tão antigos quanto à poesia e as crônicas, e mais até que os romances. E apesar de eu não ter lido a história “J. T. um conto de fadas punk”, tive a oportunidade de assisti-la no Centro Cultural Banco do Brasil esta semana.
O texto de Luciana Pessanha narra a “história real” de Jeremy “Terminator” Leroy, um famoso escritor estadunidense que, ao escrever duas autobiografias – “Maldito Coração” e “Sara” - contanto os casos de abuso que sofreu na infância, a adolescência nas ruas onde se prostituía com caminhoneiros e os problemas que teve com drogas e álcool, acaba por se tornar uma celebridade instantânea, cercada de fãs e respeitada por artistas das mais diversas áreas. Com uma história tão obscura e uma coragem absoluta em retratá-la em páginas, J. T. Leroy ganha o público. O problema: a biografia é falsa. Leroy não existe.
Com fortes cenas de humor e drama, mescladas de forma que espectador vive um intenso conflito entre decidir se deve rir ou se emocionar, a peça é um excelente programa para aqueles que curtem uma história bem feita, com bons atores e cenas que nos obrigam a pensar. E este último requisito é justamente o objetivo desta coluna, por isso o lugar de destaque que coloco aqui para “J. T. Um conto de fadas punk”.
A ação humana é capaz de mudar o mundo, de marcar as pessoas de tal modo que sua memória permanece viva até os dias vindouros. Isabel assinou a Lei Áurea e até hoje é considerada o símbolo da redenção; há mais de vinte anos, um jovem chinês se transformou no ícone da luta pelos direitos humanos ao se lançar em frente aos tanques de guerra do Partido Comunista Chinês para protestar contra o regime opressor instalado em seu país. Ações humanas, que são interpretadas hoje como valorosas e que nos motivam a tomar nossas próprias escolhas.
Até então estamos falando apenas de personagens de carne e osso, mas e se estes não tiverem? E se existirem apenas em papel e tinta? Seriam suas existências desprezadas apenas por isso?
Mesmo na história temos personagens cuja existência ainda não pôde ser provada. Rei Arthur, por exemplo, durante séculos povoa o imaginário ocidental sem que ainda se tenha encontrado provas de sua real existência. Contudo, o fato de não se poder atribuir total veracidade a sua existência não o impediu de durante anos servir de inspiração para histórias e movimentos de nacionalidade do povo inglês. E mesmo personagens que foram criados com intuito totalmente ficcional não podem ser privados de sua importância para criar o mundo que temos hoje. Como a Capitu de Machado de Assis, cujo caráter ambíguo e os fascinantes olhos de ressaca serviram de inspiração não apenas para outras histórias ficcionais como também para se pensar em questões importantes como o papel da mulher em nossa sociedade e a instituição do casamento na mesma. Ou, para usar um exemplo bem contemporâneo, posso citar o nosso cavalheiro das trevas, Batman, que até hoje é talvez aquele super herói que mais nos obriga a pensar nesses papeis de mocinho e vilão em nosso mundo. Em como um homem a margem da sociedade pode, na verdade, ser a salvação em uma sociedade corrupta como a nossa.
O caráter imaginativo nunca impediu a ficção de conseguir atingir o nosso mundo. Os fenômenos da fantasia são assim, recheados de coisas que nos obrigam, mesmo sabendo de seu cunho mentiroso, a pensar acerca da possibilidade de sua existência. Locais como fonte da juventude, o Shangri-la, Atlântida. Pessoas como Robin Wood e a idéia de um herói ladrão. Romeu e Julieta e o desejo do amor impossível. Dorian Gray e a busca humana pelo prazer e juventude. Enfim, a literatura está repleta de personagens fictícios cuja sua origem fantástica não os impediu de marcarem nossa realidade.
E neste contexto, J. T. Leroy entra como um bom pretexto para se falar nesse tema. É por isso que eu recomendo àqueles que possam, de ir prestigiar. Vale à pena.
Informações:
JT - Um Conto de Fadas Punk
16 de Março a 27 de Maio
Local: Teatro I | CCBB RJ - Rua Primeiro de Março, 66 - Centro
Horário: De quarta a domingo, às 19h
Texto: Luciana Pessanha.
Direção: Paulo José.
Elenco: Natália Lage, Débora Duboc, Nina Morena, Hossen Minussi e Roberto Souza.
Duração: 90 min.
Classificação: 16 anos
Telefone: (21) 3808-2020
Ingressos: R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia entrada)
Bom espetáculo
Nenhum comentário:
Postar um comentário