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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Resenha: Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago



Saramago sai da vida e entra para a história e este livro, prêmio nobel de literatura, faz jus à condecoração e à memória do autor, tornando Saramago, além de grande escritor, um alvo difícil para se esboçar uma boa crítica. Pois ao falar deste autor é realmente complicado não cair no elogio exacerbado devido a eminência de sua obra, como também é quase impossível eu, reles escritor iniciante, fazer algum comentário que não seja elogioso sem levantar as réplicas do tipo: “e quem é você para criticar Saramago?”
Bem, a verdade é que nesta resenha não pretendo esboçar grandes críticas ou apontar defeitos, pois de fato gostei da obra. Na verdade, nem sei porque afinal fiz tamanha digressão, mas achei importante fazê-la. Usufruo deste direito, tal como Saramago ao escrever seus trabalhos, pois as vezes breves digressões falam mais do que o próprio assunto principal. Enfim, sem mais delongas, vamos à obra.
“Ensaio sobre a cegueira” é um romance com potenciais fantásticos, onde uma enfermidade misteriosa, caracterizada como “mal branco” e com potenciais de se tornar uma doença de caráter global, deixa cega boa parte da população portuguesa. Preocupadas, as autoridades decidem por confinar em quarentena os grupos humanos doentes e com risco de contágio, de forma a conter uma possível pandemia. E neste universo paralelo, sem contato com o mundo exterior que não seja na forma de suprimentos anônimos e guardas armados que vigiam as saídas, os confinados vivem uma sub existência onde a cegueira física em nada se compara a cegueira da alma.
Com personagens anônimos, cognominados apenas pela sua função social ou característica física marcante – a mulher do médico, o garoto estrábico, o primeiro cego – a narrativa se desenvolve. Nele, estes personagens desprovidos de identidade, apresenta-se este mar humano que é a nossa sociedade de hoje, onde o indivíduo perde sua caracterização pessoal e é englobado pela massa.
A mulher do médico, única personagem a manter a visão em meio ao caos, nos mostra, nas palavras do próprio autor, “a importância de se ter olhos quando os outros já os perderam”. A capacidade de ver, e não só olhar, de reparar, e não apenas ver. Níveis de visão que são esquecidos por nós, que olhamos sem ver, que vemos sem enxergar.
Sem dúvidas é uma obra com plenos potenciais e que obviamente todos eles não são atingidos. Nesse sentido, o fato de o título trazer o nome de um “ensaio” não é gratuito, pois Saramago não está preocupado em realizar uma narrativa fechada, que faça pleno sentido em sua totalidade e deixe amarrado todo e qualquer nó solto que possa aparecer. Pelo contrário, ele se permite perder completamente em meio a sua história. Coisas não são explicadas, personagens não são plenamente trabalhados. Existem lacunas que nós, leitores ávidos, podemos preencher a nosso bel prazer, realizando ensaios dentro do ensaio.
Enfim, uma obra magistral. Absolutamente densa, como todo o trabalho deste português, mas proveitosa e que deixa marcas do começo ao fim, e para além dele. Dos livros de Saramago, este foi o que tive mais dificuldade de ler. Demorou-se em demasia passar pelo mar turbulento de seus personagens e sua escrita marcadamente erudita e singular. Mas este foi absolutamente um trabalho que deu gosto de realizar e ao fim da história, aquele gosto de que havia conquistado um dos topos do mundo literário.


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