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domingo, 20 de janeiro de 2013

"Minha vida foi F..."


 
Parece que a o futuro havia se acabado para aquela cidade. Isolados do contato com o mundo externo há dias, seus habitantes vão gradativamente degenerando em todos os pontos que constituem suas já frágeis humanidades. Comida, remédio, saneamento não existem mais, e a barbárie começa a ganhar forma conforme o desespero toma conta de seus corações. E se isso tudo não bastasse, estes houvem dos céus a mensagem redentora, de que uma explosão colocará fim a suas vidas medíocres em questão de alguns minutos. Então, restava somente esperar.
Todavia, dentre os infortunados moradores da pacata região, está um homem de meia idade, gordo, solitário. Dono de seu próprio negócio, uma loja de revistas em quadrinhos, onde passou boa parte do tempo maltratando seus clientes, escolheu este lugar, onde passou anos de sua vida, para refletir sobre sua existência. Seu comportamento rude e seus poucos cuidados estéticos afastaram as pessoas de sua vida. Ele não tinha namorada, poucos amigos, e seus clientes não passavam de eventuais relações comerciais.
Sua vida inteira havia sido dedicada aos quadrinhos, coisa da qual mais gostava, que lhe rendeu ótimas discussões, momentos de puro entretenimento, reflexões arrojadas, mas pouco contato humano. E agora, faltando apenas alguns minutos para o fim, nosso herói cai de joelhos ao solo, rendido pelo final iminente e grita: “Minha vida valeu a pena!”
Àqueles que não reconheceram a cena acima, trata-se de uma curta passagem do filme “Os Simpsons”, lançado em agosto de 2007 . Nela, o cara da loja de quadrinhos faz uma reflexão acerca de sua vida e a resposta para sua avaliação, não muito esperada em tamanho contexto, fez muitos admiradores rirem e, em alguns casos, pensarem. Em minha opinião, foi uma das melhores sacadas de todo o filme, que teve inúmeros outros momentos memoráveis.
Fazer a vida valer a pena é uma tópica comum. Algo presente em quase todos os momentos de nossas vidas e que acredito ser impossível nenhum de nós não termos nos deparado com ela algum momento. Contudo, fazer valer a pena acaba, para muitos, caindo em um terreno acidentado. Pois o que seria fazer valer a pena? Se perguntarmos para as pessoas a nossa volta, frases comuns como “ser feliz”, “aproveitar os momentos”, “ser sincero”, “ter alguém importante ao seu lado”, e outras presentes até mesmo nos mais rasos livros de autoajuda. Alguns até arriscam uma receita de bolo mais elaborada, mas pouco eficiente.
Normalmente nossa sociedade já possui um modelo pronto. Uma lista de coisas que precisamos fazer para conquistarmos a tão sonhada felicidade e conseguir chegar ao final da vida a sermos capazes de gritar “minha vida valeu a pena”. Uma lista pequena: ser inteligente, bonito, sociável, carismático, engraçado, ter muitos amigos, praticar esportes, ter um bom emprego, constituir família, ganhar muito dinheiro, ajudar o próximo, conseguir o carro do ano, ser pegador (no caso dos homens), ser recatada (no caso das mulheres), ser saudável, gostar de noitadas, televisão e futebol, manter-se vivo...
Entretanto, apesar de já termos esse nosso modelo didático e a prova de falhas, existem aquelas pessoas que insistem, seja por vontade ou por azar do destino, em querer encontrara a felicidade fugindo dele. Pessoas como o cara da loja de gibis. Que não gosta de sair a noite, de azarar, que prefere os momentos sozinho à jogar conversa fora com pessoas que não valham a pena; que escolhe o mundo da ficção, onde as coisas sempre se resolvem no final, ao invés de nosso mundo perfeito, cheio de injustiças, corrupção e dor. Que optou por uma profissão “menor” onde estaria em contato com tudo aquilo de que gosta, ao invés de um emprego em que poderia ganhar grandes quantidades de dinheiro em troca apenas de um pouco de estresse, decepção e sacrifícios. 

Enfim, da para entender um cara desses?
Sendo eu escritor de literatura fantástica, vocês já devem ter percebido que há um pouco de pessoalidade neste texto. Pois há mesmo. Na época, foi um filme que muito me cativou e tal pensamento me foi reavivado com a leitura de “O livro do fim do mundo”, uma coletânea de contos que nasceu com a proposta de pensar “o que você faria se o mundo fosse acabar em uma hora?” E o conto “...and I feel fine”, de Leandro Samora tocou muito bem neste ponto da questão. Pois a verdade é, se viver fazendo aquilo que nos da vontade sem causar mal a ninguém não é fazer valer a pena... Bem, eu não sei mais o que é.


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