Sigam-me os Bons

sábado, 9 de abril de 2011

Leitura e Reflexão - O Médico e o Monstro e Robert Louis Stevenson


“O médico e o monstro” é um daqueles livros que obrigam o leitor a pensar, principalmente por promover debates acerca da noção de Bem e Mal, Loucura e Sanidade, Vícios e Virtudes. Contudo, a análise que proponho aqui é de outra ordem, pois algo que me saltou aos olhos ao longo da leitura da novela de Stevenson, foram questões mais ligadas ao caráter estético de nossa sociedade do que outra coisa propriamente dita.
O romance trabalha dois personagens – o médico e o monstro – como dois seres que coabitam o mesmo corpo, que ao longo do livro dividem a mesma casa, que usam das mesmas roupas, que possuem, de alguma forma, o mesmo grupo social. Contudo, nenhum dos demais personagens da trama sequer desconfiou que o respeitável Dr. Jekyll fosse na verdade Mr. Hyde, o Monstro.
Por quê?
Algumas passagens me chamaram demasiada atenção para a forma como os conhecidos de Jekyll descreviam Hyde: como se ele tivesse o mal estampado no rosto. Como alguém consegue ter o mal estampado no rosto? Ser a imagem da pura maldade?
Então eu pensei: até que ponto nossas noções de bem e de mal podem estar ligadas à questões estéticas? Quando olhamos para trás e vemos descrições mais antigas do que seria a maldade, observamos normalmente personagens grotescos, bizarros, com alguma anormalidade ou deformidade. Na Idade Média, por exemplo, ver alguém com chagas causadas por alguma doença era um dos recursos para se reconhecer a pureza da pessoa. Pois entendia-se que um ser deformado era assim por alguma mácula divina, um castigo por algum crime que possa ter cometido, por ele, ou pelos seus pais.
A própria imagem de satanás muitas vezes era atribuída a uma figura monstruosa, como se a feiura e a anomalia fossem os símbolos do mal. Porém, esse paradigma estético do mal não é absoluto, e no próprio diabo, para mantermos o mesmo exemplo, ao longo do fim da Idade Média e início da chamada Renascença, temos a possibilidade de um demônio belo, de um ser que usa de seus encantos físicos como forma de ludibriar suas vítimas. Lúcifer, nesse contexto, passa a se tornar o anjo mais belo das casas celestiais e esse modelo parece transpassar os tempos e chegar até nós. Os livros de vampiros hoje não me deixam mentir. O mal sendo demonstrado como algo belo, sedutor. Quando avalio isso, aviso que não estou me deixando de fora, pois eu mesmo sou partidário desta nova concepção.
Nesse sentido, não quero promover aqui qualquer forma de juízo de valor, mas sim salientar o detalhe de que, mesmo feio, mesmo bonito, não conseguimos até hoje determinar uma noção de maldade que não tenha, de alguma forma, um forte atributo estético. Como se a aparência pudesse dizer a natureza da coisa.
Stevenson parece estar situado no paradigma mais clássico, onde o mal assume a forma do monstro, do não natural. O aspecto horrendo de Mr. Hyde parece causar repulsa nos personagens de tal modo ser impossível vinculá-lo ao nobre Jekyll. Até mesmo uma amizade parece não poder ser cogitada quando falamos desses dois indivíduos. “Como o Doutor Jekyll pode abrigar o monstro em sua casa?” Era a pergunta que seus amigos comumente faziam.
São os pares antagônicos, o feio e o belo e o monstro e o médico.
Quando falamos de natureza das coisas, sempre ouvimos discursos sobre a necessidade de se enxergar por detrás da aparência, mas será que conseguimos nos desligar de valores da vaidade na hora de avaliarmos? Seja da pessoa bela, capaz de nos corromper, seja o monstro que nos causa espanto, o mal precisa sempre de um atributo tributário da beleza, para que possa ser mensurado por nossos sentidos e por nossa intelectualidade. 

2 comentários:

  1. Acho interessante que chame a atenção para este fator. De fato, essa relação do feio com o mal e do belo com o bom é algo que às vezes parece enraizado em nossa sociedade, porém penso que isso já foi "superado" (como você próprio transpareceu ao falar dos vampiros). E, se me permite, não estou certo de que na Idade Média havia realmente esta visão, se tivermos, por exemplo, em vista que no "Malleus Maleficarum" os demônios nos são apresentados como belos e sedutores (embora fosse uma beleza promíscua, voltada à sexualidade). É claro que há uma diferença entre os públicos: "Malleus Maleficarum" se dirigia ao próprio clero, isto é, pessoas mais esclarecidas e capazes de discernir que o belo poderia ser "mau".
    Terminando isto tudo, ainda não sei o que pensar dessa análise, embora ainda me pareça interessante - mas provavelmente um "interessante" mais cabível a uma roda de discussão, onde poderíamos debater à vontade.

    ResponderExcluir
  2. Não lerei agora a sua resenha, até porque, por incrível que possa parecer, estou lendo esse livro. Posso adiantar que estou achando a leitura super dinâmica e de agradável degustar. É uma leitura rápida, mas como dependo de meus raros momentos livres... não deu para matá-lo em uma noite... lá vou eu para a segunda noite. Volto aqui para comentar sobre sua resenha, assim que eu findar minha degustação ;)

    ResponderExcluir