Apesar de a muito tempo não escrever,
ainda dedico minhas horas vagas ao bom gosto da literatura. Entre clássicos e
modernos, entre a tida “boa literatura” e a mera “literatura de
entretenimento”, gosto de me aventurar pelo mar de páginas, sem distinção ou
preconceitos. E um assunto que sempre me faz torcer o nariz é essa tendência a
querer impor barreiras, dividindo o certo do errado no que diz respeito ao interesse
pelos livros.
Acho que todos já passamos por momentos em
que temos nosso gosto estético ridicularizado, seja por profissionais ou
leigos. São professores, colegas ou até mesmo desconhecidos nas redes sociais e
sítios na internet, que apegados às aulas de literatura e ao gosto pelos
clássicos, ridicularizam tudo aquilo que sai de novo. Discordar, é normal. Na
verdade, termos gostos destoantes são necessários para garantir a pluralidade
na literatura. Então, nada mais saudável do que discutir nossas preferências e
(por que não?) argumentar em defesa de uma obra favorita em detrimento dos
trabalhos dos quais não nos interessamos.
Todavia, o que incomoda mesmo é ver como
muitas vezes as pessoas se cegam para a qualidade de uma obra, julgando-a
simplesmente pela data em que foi publicada. Falo isso por que, no geral e
infelizmente, discutir qualidade na literatura é também discutir sobre o tempo.
Muitos de nós tendemos a fazer do passado um monumento, engrandecendo-o e
cultuando-o. Imortalizamos as grandes obras e os grandes “gênios” do passado.
Nada contra dar ao passado o seu devido valor, mas quando este monumento se
torna tão grande, a ponto de sua sombra obscurecer todos os talentos do
presente, aí temos um problema.
Recentemente li um artigo interessante na
página do “Bula Revista”, do portal R7, intitulado “O mal de se sentir
inteligente lendo Harry Potter e A Guerra dos Tronos”. O artigo foi muito bem
escrito, e apontou aspectos interessantes do movimento tean na
literatura. Com o advento e popularização da internet, ficou muito mais fácil
se expressar. E com isso, grupos que não tinham suas vozes ouvidas, encontraram
ali um espaço de divulgação em massa para suas idéias. Soma-se isso ao fato de
vivermos uma ditadura da juventude, onde existe um verdadeiro medo do
envelhecimento, então temos uma mídia maciçamente utilizada por jovens ou
pessoas presas na juventude de suas vidas.
Também tendo a confirmar que quando se
tratam de seus gostos, estes “jovens” tendem muitas vezes a usar da violência
para defendê-los. Contudo, tenho de discordar de alguns pontos.
“Os
jovens costumam se levar muito a sério e, em consequência, levam demasiado a
sério aquilo que gostam no momento e enquanto gostam. Não raramente é
entusiasmo passageio, o que não diminui em nada seu ardor. Não se furtam em
entrar em verdadeiras batalhas campais (ou virtuais) para defender suas
músicas, filmes, artistas, livros, novelas, times de futebol ou posições
políticas preferidas. É mesmo essa a natureza das paixões [...] A alta
literatura não existe para agradar ou afagar egos. Ela desafia seus leitores,
retira-os de sua zona de conforto, expandindo seu universo de pensamento. A
grande arte não precisa fazer ninguém se sentir cabeça por estar diante dela.
Muitas vezes ocorre o contrário: sentimo-nos estúpidos por não conseguirmos
alcançar o pensamento ou as intenções de um grande artista. Quando isso ocorre,
a culpa é sempre nossa, jamais do artista, se ele já passou pelo crivo do tempo
e da história.” (LUIZ, Ademir. O mal de se sentir
inteligente lendo Harry Potter e Guerra dos tronos)
Em primeiro lugar, creio que o fenômeno de
se sentir inteligente demais, não se limita aos fãs da literatura fantástica,
mas pode se expandir a muitos leitores dos mais diversos gêneros. Dizer que
aqueles que lêem os clássicos são de alguma forma mais “humildes”, pois são capazes
de se desafiar à leitura de uma obra mesmo reconhecendo que não chegam aos pés
dos brilhantes autores não passa de uma falsa modéstia . Meus anos de faculdade
só me mostraram o inverso: um bando de pessoas que leram tantos clássicos
quanto poderiam e isso parecia servir como medidor de sua superioridade
intelectual. Arrogância é uma característica humana que independe do que está
lendo naquele momento
Outra coisa que parece confundir muito os
defensores dos gênios da literatura é associar leitura complicada à qualidade
no texto. Quando pensamos em livros como “Harry Potter”, “A culpa é das
estrelas” ou “As crônicas do Gelo e fogo”, muitos parecem acreditar que pelo
processo de leitura destes trabalhos ocorrer de forma tão agradável e suave, é
um sinal de que se trata de literatura jovem, de mero entretenimento, e assim
inferior. Como se a literatura não existisse para ser apreciada, para causar
prazer, como tantas outras formas de arte. Como a música, a dança, o cinema, o
desenho e outras, a literatura tem inúmeras finalidades, e uma das quais eu não
abro mão é a do deleite.
A leitura de “modinhas” pode não lhe
transformar em um supergenio, mas sem duvidas que a leitura de um Saramago
também não o fará única e exclusivamente pelo fato de você o ler por obrigação
ou para se encaixar em algum lugar elevado da intelectualidade
contemporânea. Ler com prazer é o que
torna o processo de apreciação da arte completo. Seja no campo da razão
(noético), emoção (patético) e sensibilidade (estético). Objetivo esse que não
pode ser atingido se você lê e valoriza um livro unicamente por ele pertencer a
um gênero literário que hoje é devidamente reconhecido pela academia. Afinal,
vale lembrar que muitos desses gênios não eram considerados gênios em sua
época.
Mas esse é um ponto que os “entendidos”
normalmente ignoram na hora de criticar os jovens. E apesar de toda a sua
cultura, estes podem ser bastante cruéis e agressivos, mesmo que não assumam
isso. Até por que ridicularizar também é uma forma de agressão.
Concordo com Ademir Luiz, autor do artigo
citado, quando ele diz que o problema desse tipo de atitude não é do autor em
si, e sim do publico. Como um exemplo simples, posso citar “O código da Vince”
de Dam Brown, que se lançou como um livro de ficção e suspense, mas muitos leitores
que se aventuraram por suas páginas ignoraram o lado ficcional da obra e
passaram a atribuir ao escrito o caráter de relato sobre a “verdade verdadeira”
da vida de cristo. Enfim, loucura...
Porém, gosto de salientar que erros de
recepção não são ocasionados apenas por uma juventude apaixonada. Não são apenas
os jovens que costumam a se levar muito a sério. O campo das paixões é habitado
pelos seres humanos como um todo, independente de gênero, faixa etária,
escolaridade, religião e outros critérios. Todos temos nossos gostos, e todos
vamos defendê-los com unhas, dentes e, mais recentemente, perfis online.
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