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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Homem e Sociedade – O autor no tempo e no espaço.


É muito comum ouvirmos dizer que aquele determinado autor vive em seu próprio mundo, ou que ele se encontra à frente de seu tempo. São frases quase que se tornaram clichês quando pretendemos homenagear um grande artista que conseguiu criar um mundo novo e maravilhoso. Repetidas ao longo dos tempos em memória aos grandes gênios. Porém, apesar de muito belas, acredito que a verdade seja um pouco diferente. Afinal, quem de nós consegue realmente viver em separado do espaço físico em que habita, ou do período em que se encontra?
Um autor, assim como todos, é filho de seu tempo, é filho de seu espaço. Seu mundo pessoal pode ser diferente do das pessoas comuns, porém, esse mundo particular também vive em contato com o mundo social, que o penetra e, mesmo sem querer, interage e interfere com ele. “Ninguém é uma ilha”, já ouvimos isso antes. Ninguém é capaz de simplesmente fechar-se para a sociedade em que vive, mesmo que queira ou, às vezes, necessite. O mundo real está sempre lá fora, agindo, mesmo que de forma indireta, em nossas vidas. Ele está nas contas que pagamos, nas pessoas que conhecemos, no ar que respiramos. Podemos ignorá-lo, nos fechando nos confins de nossa mente, como os esquizofrênicos fazem muito bem, mas ele é insistente e sempre bate na nossa porta, seja através das notícias do rádio ou do jornal, seja através de algum vizinho ou visitante de última hora.
Com o tempo, acontece o mesmo. Ninguém consegue pensar em coisas que vão além de seu tempo. Mesmo a História, ciência que estuda o passado, tem sua visão para trás direcionada pelo que pensamos hoje. Caso contrário, me digam, por que hoje se estuda a história das mulheres, por exemplo. Coisa essa que não era interessante nas décadas de quarenta, trinta ou outras antes. A resposta: Por que, por mais que a História olhe para o passado, ela o olha com os olhos do presente. A partir da década de cinqüenta as mulheres ganharam espaço, lutaram por direito, exigiram igualdade, então, nada mais comum do que buscar legitimidade através da sua própria história, recorrendo ao passado e buscando suas ancestrais. Ver a atuação das suas irmãs através do tempo seja nas figuras das matronas romanas, nas bacantes gregas ou nas bruxas francesas.
Quando olhamos para o futuro, o que vemos? Quais são nossas expectativas? Vamos pensar pelo menos, no Apocalipse. No fim dos tempos que graças ao calendário Maia está muito em voga hoje em dia. Já ouvimos falar de inúmeras teorias sobre como o mundo vai acabar. A volta do Messias reencarnado, o fim da água potável, ou o aquecimento global. Quem pensa nisso, está pensando no futuro, mas com os olhos do presente. Isso por que esse raciocínio só é possível por que já temos, hoje, vários grupos religiosos que pregam a vinda do messias; várias pistas de que a água está acabando, seja através da desertificação ou da poluição de nossos rios e lagos; e também notamos que a temperatura do planeta sobe a cada novo verão, onde o calor parece não poder mais ser aumentado - e ele sempre aumenta. Enfim, o futuro, também é regido pelo presente. O homem imagina o amanhã através das perspectivas do hoje.

Caindo na área da literatura especificamente, costumamos dizer que Dante de Alighieri era um homem a frente de seu tempo. Isso por que a sua “Divina Comédia” só pôde ser apreciada anos depois de sua morte. Mas o fato de sua crítica à igreja só ter ganhado notoriedade anos depois, não significa que Dante escreveu para os homens do futuro. Ele, assim como outros milhares de homens sem voz do período que ficou pejorativamente conhecido como Idade das Trevas, também tinha suas críticas à Igreja, também estava insatisfeito com algumas coisas e a sua “Divina Comédia” saiu desse contexto. Dessa realidade. Num tempo presente, onde suas reflexões, dúvidas e indagações eram partilhadas por seus contemporâneos. Que eram minoria, mas que estavam lá. Ele gritou em seu tempo, mas só foi ouvido anos depois.

Até mesmo quando falamos de fantasia e ficção, estamos falando de um espaço físico. Pois por mais fantasiosos que possam ser os mundos da ficção – seja científica ou fantástica - também são construídos a partir do mundo real (discussão apresentada no ensaio, “‘A arte imita a vida’. Até que ponto?”). E mesmo eu, na hora de escrever a magia de “O Véu”, tive de usar de elementos a minha volta para criá-los. Poderia um pégasus ter existido antes do cavalo ou da ave? Poderia um vampiro nascer antes do morcego? Ou uma fada antes das borboletas? Antes dos homens?
Não. Isso por que vida e a arte dialogam sempre e é o autor quem media esse dialogo. É sua imaginação criativa que transforma o mundo, que o cria a partir dos elementos existentes em sua realidade. E para fazer isso, ele tem que fazer parte dela. Tem que, de alguma forma, se relacionar com ela. Pode ser de forma indireta, inconsciente, mas a relação está lá. Ela vive na comida que ele come. Que foi plantada, colhida ou caçada em seu solo, por pessoas de seu tempo. Ela está no ar que é compartilhado por seus contemporâneos. Em seus problemas, seus medos, expectativa e anseios que são sempre divididos. Ninguém está só, por mais que queira, precise, ou acredite.


3 comentários:

  1. A Fantasia necessita da Realidade para ser construída. Ignorante é o cara que acha que a Realidade é insignificante perante as suas criações fantasiosas, afinal, ele tá tirando isso da onde se não da realidade?
    Legal a postagem.

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  2. Tudo acontece em meio a um tempo que no concreto só existe mesmo é no presente.
    Cadihnho RoCo

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  3. Concordo Plenamente. Aqueles que gosam da fantasia tendem a acreditar que essa não depende da realidade, e aqueles que querem menosprezar o mundo ficcional costumam a alegar que ele não tem relação com o mundo empirico. Uma pena, pois essas duas instancias podem sim caminhar juntas e promover uma boa narrativa. Criação e observação, a chave para a consrução fantastica.

    *p.s. foi mal pelos acenos comidos e ouras coisas , meu teclado ta uma merda. rsrsrs

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