O presente ensaio tem como principal influência uma recente discussão ocorrida na minha faculdade, mediada pela professora Maria Aparecida Rezende Mota, tomando como base o artigo de Mônica Veloso publicado na revista Estudos Históricos, n° 2, “A literatura como espelho da Nação”. Por trazer uma dimensão muito interessante sobre literatura, que é a área por excelência de discussão do Por Detrás do Véu, decidi por fazer uma síntese do que foi trabalhado em aula e disponibilizar os resultados aqui para vocês.
Uma coisa que eu já vinha percebendo muito fortemente aqui no Brasil é o pouco crédito que a literatura de fantasia goza. Pensei inúmeras vezes sobre o motivo para tal fenômeno, até que algumas leituras de teóricos da Literatura como Luiz Costa Lima, conseguiram me acender uma luz cujo recente curso ajudou a amadurecer e firmar.
Como base para se entender esse problema, é interessante chamar a atenção para o detalhe de que a nossa literatura nasceu sob o signo do trabalho documental. Desde seus primórdios, com o movimento romântico, a produção literária tinha como metas tentar traçar um quadro do que era o Brasil, de como ela era composto, de que maneira ele era. A literatura como espelho da nação é uma expressão que ilustra muito bem esse compromisso dos literatos em apresentar uma verdadeira nação brasileira. Algo que desde os romances românticos já havia, como pode ser visto na obra “O Guarani” de José de Alencar, que, apesar de imbuído do sentimento romântico, fazia questão de situar sua história em um local real do Brasil, assim como realizava pesquisas e inseria notas explicativas em seu trabalho, a fim de situar o leitor sobre os costumes indígenas e outras especificidades que apareciam na obra.
Com o movimento realista, essa pretensão de se traduzir a realidade através da literatura só se fortaleceu, e desde então, um forte veto ao ficcional se estabelece. A literatura de qualidade era aquela capaz de ser objetiva e de retratar o Brasil como ele era. Nesse sentido, além do compromisso com a retratação do país, ela também se empenhava na construção da nação, dos ideais nacionais. Logo, uma boa literatura tinha de ser objetiva e nacional.
Nesse aspecto, a fantasia pouco ou quase nenhum espaço tinha para se mostrar, o que explica um pouco como esse gênero pouco se desenvolveu. Mesmo hoje, com o boom fantástico internacional, que influenciou a criação de muitas obras nacionais de fantasia, ainda pouco consegue ser publicado. São poucos os autores fantásticos que tem a chance de serem lançados por uma grande editora. Normalmente, trabalhos de jornalistas e romances regionais ainda têm muita força por aqui, o que talvez possamos associar a essa herança documental, de uma literatura engajada com a tentativa de se apreender a realidade.
Entretanto, seria realmente possível a literatura enquadrar a realidade? Ou melhor, seria esse de fato o seu papel? Comecemos pela primeira questão:
Nossa sociedade, tanto a brasileira como a tida ocidental como um todo, dá grande apreço à ciência. Verdade é sinônimo de cientificidade, prova é sinônimo de empiria, e discurso verdadeiro é sinônimo de discurso objetivo e imparcial. O termo “retratar”, é muito usado – e foi utilizado por mim acima – para dizer quando se tenta de fato, capturar uma imagem real. A fotografia, nesse sentido, seria a mais apta a capturar a realidade, pois ela a conseguiria reproduzir as coisas e as pessoas como realmente são. Porém, seria uma fotografia totalmente objetiva? Seria um fotógrafo capaz de apreender a realidade imparcialmente? Mas então, onde estariam certas escolhas necessárias para uma boa fotografia: “de que tirar fotos?” “Que ângulo escolher?” “Que horário e que luzes utilizar?” Essas são perguntas totalmente subjetivas. Por mais que um retrato seja capaz de capturar os detalhes reais de um acontecimento, ou um lugar, a escolha que o fotógrafo faz deles já é carregada de subjetividade.
Logo, se a própria câmera já não é completamente objetiva, seria mesmo a literatura capaz de tão pretensiosa tarefa? (como observação, eu acho de bom tom também lembrar que aqueles que acreditam que o “Big Brother” é um programa capaz de retratar a realidade, como postula sua alcunha de reality show, estão se iludindo. ^^)
Voltando ao foco, algo que também deve ser lembrado é que, se as ciências e o jornalismo têm como função tentar apreender essa realidade, essa é uma função própria da ciência e do jornalismo. O que quero dizer é que a literatura, como manifestação artística, não tem esse engajamento. Ela não é uma forma de ciência, ela é arte, ela não trabalha com a razão, e sim com a emoção com as sensações. Por conta disso, querer que ela seja um espelho da nação, ou da sociedade, é atribuir para ela uma tarefa que não é de seu interesse. Dizer que ela é boa ou ruim por conta desses quesitos é julgá-la por atributos que não a constituem.
A literatura não retrata a sociedade, ela a transfigura, ela não traduz uma realidade, ela a transforma. Ela não é objetiva com relação a seu objeto, é subjetiva, pois está carregada da visão do autor sobre ele. Por conta disso, a literatura, mais do que tudo, não tem como função criar um quadro do real, de confirmar as certezas que nos temos. Ela é criada justamente com um fim totalmente oposto. Ela nos desestabiliza e nos obriga a pensar de uma forma diferente, de encarar a nossa realidade de forma completamente nova. Ela muitas vezes nos causa estranhamento, nos deixa receosos, temerosos, por nos fazer confrontar com lados de nós mesmos que, ou não conhecíamos ou ignorávamos propositalmente.
E quem pensa que só a fantasia faz isso, está enganado. Pois até mesmo os movimentos realistas e naturalistas, por mostrarem uma perspectiva biológica e geográfica da sociedade, também estavam, na verdade, mostrando lados novos do seres humanos. Lados esses que não eram pensados ainda de forma muito restrita no início do XIX. Nesse sentido, eles também desestabilizavam.
Essa consciência de literatura, absolutamente não é de toda nova e vem até mesmo ganhando força com o tempo, porém, seu andar é lento, instável e acidentado. Acredito sim que em breve o Brasil seja capaz de perder sua tradição documental, e também assim, conseguir ver que a literatura não está ali para lhe oferecer um relato fidedigno, mas sim que ela existe apenas para saciar sua própria necessidade de existir, de forçar as pessoas a pensarem de maneira diferente, de desnaturalizar aquilo que já foi naturalizado. Não porque ela seja rebelde e do contra, mas porque essa é a única forma de sempre estarmos renovando nossos pensamentos e nossa forma de olhar o mundo.
Como final de efeito, podemos então nos valer de estudos antropológicos e da teoria da literária e entender a literatura sim como um espelho da sociedade. Entretanto, um espelho que sem dúvidas está quebrado, que não reflete a sociedade em sua inteireza, mas sim partes dela. Partes distorcidas, espaçadas e que causa a quem se vê a estranheza de, muitas vezes, não se reconhecer ali.
Achei realmente interessante. A forma como o Sistema nos tenta passar uma realidade que não condiz com a verdade. O exemplo da fotografia sintetiza muito bem o seu texto. Parabéns!
ResponderExcluir^^ Obrigado Josi.
ResponderExcluirE bem vinda ao Por Detrás do Véu.
Beijão!
Pretendo fazer meu TCC relacionado a essa temática. Porém, minha defesa vai bem mais para o lado de que a literatura sim, principalmente aquela produzida no período chamado contemporâneo, retrata a realidade vivida por seus autores no momento de produção das suas obras. Vou tentar enfatizar a participação da ditadura militar para que isso se fortalecesse ainda mais nas obras.No entanto, sei que ela (a literatura) não tem compromisso com a realidade, mas que os autores cxonstantemente se utilizam dela para a confecção de suas obras, apontando no seu enredo críticas positivas ou negativas sobre o dado momento de produção literária.
ResponderExcluirGostaria de conversar com pessoas que discutem sobre isso: por favor, me adicionem no MSN - lucasportobrumado@hotmail.com
OI Lucas. Puxa, que legal. Espero que você vá muito bem no seu tcc. Assim, eu entro muito pouco no Msn, então, porque não mantemos contato por e-mail. Se estiver interessado, meus endereços são: willian.nasci@hotmail.com (também é msn) e wnascimento29@gmail.com
ResponderExcluirAbração
oiii
ResponderExcluirComo é bom conhecer um menino tão legal, e inteligênte. Parabéns pelo texto e pelos livros.
beijãoo
Katherine