Acredito que não exista gênero literário mais popular, contudo menos
reconhecido do que a Fan Fic. Neste
estilo, um autor, fá de outro autor, se propõe a escrever acerca de uma história
já existente de seu ídolo, aproveitando assim seus personagens, cenário ou até
mesmo tramas que, na imaginação do adaptador, ficaram incompletas ou mereciam
maior destaque. A rede está repleta de sites e blogs, sejam grupos sociais ou
páginas pessoais, com conteúdos desse tipo. Nele, mundos já encerrados ganham novo
início, coadjuvantes obscurecidos angariam destaque, e tramas já estabelecidas
adquirem uma nova perspectiva.
Talvez a história que mais tenha gerado fan fics no Brasil, sem que nenhuma delas tenha sido chamada por
este nome, foi “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Um único tema – a traição
de Capitu – foi capaz de gerar tal polêmica dentre os leitores da obra que
várias outras histórias foram publicadas, dando novos olhares à trama
machadiana. Nele, uma personagem relegada ao silêncio recebe voz e um simples
olhar produz energia para que sejam criados discursos originais, com novos
autores ansiosos por também poderem falar.
As fan fics, mais do que meras
brincadeiras, são na verdade uma manifestação de nossos desejos, presentes em
todo e qualquer leitor: o de poder, ele também, interferir na história. No
processo de leitura, estamos tão envolvidos com o enredo, tão conectados aos personagens
e seus dilemas que tendemos a querer agir dentro da história. E por mais que
sejamos ativos no processo de leitura, pois cada leitor é capaz de interpretar
um mesmo acontecimento sob diversos ângulos, ainda assim a sensação de controle
que às vezes queríamos ter não nos é satisfeita. Quantos de nós já não
terminamos um livro desejando imensamente que algumas coisas tivessem seguido outro
rumo na trama. Isso aconteceu inúmeras vezes comigo, mesmo naqueles livros que
muito me agradaram ou deixaram satisfeito. Tem sempre aquela pontada de arrogância,
que nos diz que a história poderia até ficar melhor se tivesse acontecido desta
e não daquela maneira.
E neste sentido, as fan fics nos
servem como forma de extrapolar esses desejos, de transformarmos vilões em
heróis, de desestabilizar a história de um autor que admiramos, não porque nos
achamos melhores que eles, mas porque o admiramos de tal forma que queremos
declarar ao mundo nosso contentamento, mostrando que não somos capazes de
sobreviver completamente sem seus trabalhos, e já que eles deram por encerrado
seus livros, temos então nós mesmos que dar continuidade a obra, impedindo-a
assim de morrer.
As fan fics, nesse sentido,
não são plágios, mas sim esforços de manter uma memória viva, mesmo que esta
memória seja apenas ficção. Uma forma de exercer nosso direito de sermos também
criadores. Escrever este gênero é sem dúvidas um exercício importante e
satisfatório. Já fiz muitas, embora jamais tenha as escrito em folha, mas sim as
mantendo no enredo oral, através das aventuras de RPG. E nestes momentos, fui
capaz de treinar minha imaginação. Apoiando-me no mundo de outros mestres, era
capaz de criar esboços dos meus próprios universos. Até já ser maduro o suficiente
para caminhar sobre minhas próprias pernas.
Enfim, acho incrível o potencial que este gênero possui, e fico
igualmente surpreso com seu pouco reconhecimento nos meios acadêmicos, acredito
que o processo de readaptação da obra de autores conhecidos por desconhecidos,
através das fanfics, renderia ótimos trabalhos de graduação e pós-graduação nas
áreas de Letras, Ciências Sociais e, por que não, História. Ou talvez, ao fim e
ao cabo, seja realmente melhor assim. pois este ofício, sendo mantido assim, no
meio popular, livre nas mãos dos fãs das mais diversas idades, níveis de
escolaridade e classes sociais, preserve essa energia criadora que faz com que
todo o dia centenas de histórias sejam escritas e dezenas de autores sejam
revelados, mesmo que sem os louros da carreira literária.