Geraldine Brooks consegue mesclar diversos estilos neste trabalho,
tornando “As memórias do livro” um romance que dificilmente
desagradará completamente um leitor. A estrutura do livro se divide
basicamente em duas partes, que se intercalam ao longo da narrativa.
A primeira, volta-se para conservadora Hanna, convocada pela ONU para
ir a Sarajevo em 1996, a fim de restaurar e escrever um ensaio acerca
de um antigo Hagadá encontrado na região, ela passa por novas
descobertas que vão além daquelas que são encontradas no
manuscrito judaico: um amor, um poderoso segredo de família e as
marcas da guerra. Estes elementos básicos tornam a leitura agradável
para aquelas pessoas à procura de um romance leve. Todavia, Brooks
não para por aí.
Cada capítulo de Hanna, onde esta encontra no manuscrito marcas que
servem de vestígios das andanças do Hagadá ao longo do tempo, é
seguido por um que conta a história do próprio documento. Cada
sinal torna-se assim um rastro, que diz respeito a um momento da
“vida” do manuscrito e das pessoas que por ele passaram. Uma asa
de inseto, um pelo branco, marcas de vinho e sangue, cada um destes
conta uma história, dá pistas sobre sua trajetória, serve de
monumento para aqueles que o tocaram. Como historiador, confesso que
fiquei fascinado com estes momentos, onde o diálogo presente e
passado se estabelece de forma tão suave. Hanna, no presente, tenta
buscar explicações para estas marcas deixadas no livro que as vezes
remete, as vezes não, a realidade pela qual ele passou. Este é sem
dúvidas um trabalho de história.
Para fins de conclusão, o romance de Brooks tem uma temática chave
que perpassa todos os momentos das estórias: a questão do
antissemitismo e da intolerância étnico/religiosa. Seja falando da
inquisição, ou narrando experiências das personagens dentro do
holocausto nazista, as memórias do livro nos apresentam um mundo
onde a vontade de sobreviver na vida e na memória contra os desejos
de obliteração travam batalhas colossais. O Hagadá, neste sentido,
mais do que um objeto com a função de transmitir um tipo de
conhecimento religioso, é o arauto da memória, aquele responsável
por contar uma parte das histórias de pessoas cuja a voz não se
houve mais, um vestígio de tempos e de homens que passaram pela
Terra e deixaram sua marca, seja na escrita, no desenho, ou
simplesmente por suas ações mais cotidianas.
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