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quinta-feira, 13 de maio de 2010

A ascensão do Anti-herói


Antigamente, era mais fácil sabermos para quem iríamos torcer enquanto líamos um bom livro ou assistíamos a um filme. Os papeis eram claros, os personagens definidos. As disputas entre o bem e o mal eram claras e nós sabíamos exatamente aonde nos posicionarmos: no lado certo. Mas hoje, creio eu que a coisa anda um pouco diferente. Pois a cada dia que passa, os vilões se tornam mais e mais atraentes enquanto os mocinhos são apresentados de forma mais enfadonha, perdendo a força para os sádicos, sarcásticos e hilários antagonistas.
Um bom exemplo dessa nova tendência é o filme ‘Batman: o cavaleiro das trevas’. Acredito que todos os que assistiram ao filme irão concordar comigo que o grande barato do filme é o personagem Curinga, pois o Batman em si estava muito fraco. Mas esse filme não é o único. Em muitos casos a figura do vilão está se mostrando cada vez mais complexa, elaborada e, também, impactante. Não existem mais espaços para os velhos clichês, com suas risadas sarcásticas e planos malignos. Agora o espaço é dado aos “Lestats” das crônicas vampirescas de Anne Rice, dos “Hannibals” interpretados por Anthony Hopkings e muitos e muitos outros vilões que vêm a se tornar os novos astros. Que, mesmo cometendo as maiores atrocidades, são irresistíveis.
No ‘Evangelho Segundo Jesus Cristo’, de José Saramago, uma passagem me chamou muito a atenção. Ela diz respeito a um momento aonde Jesus dialoga com Deus e com o Diabo, conhecendo, a partir dali, seu futuro e o destino de sua religião, aonde muita morte terá de acontecer com a morte dos apóstolos, as cruzadas e a inquisição. Satanás, nessa passagem, faz uma proposta a Deus, de que, se O Pai o perdoasse de todos os seus pecados, ele desistira de sua revolta e assim a paz poderia chegar ao planeta, pois não mais haveria mal. Deus, no entanto, não aceita, alegando que é necessária a existência do mal para que Ele possa existir. Dessa forma, um mundo sem o Diabo, seria um mundo em paz sim, mas um mundo aonde ninguém reconheceria Deus.
Essa atitude egoísta da divindade proposta por Saramago mostra mais uma característica dessa valorização do anti-herói. Isso por que, um personagem que é a pura representação do mal — o Diabo — aqui aparece como aquele que tenta a paz, tenta a redenção. Como ele mesmo diz: ‘não podem dizer que o diabo nunca tentou’. O Diabo é apresentado aqui como um ser virtuoso, mas não é só ele. Anne Rice trás os vampiros — monstros comedores de gente — e os transforma nos heróis de suas obras. J. K. Rowling pega a velha bruxa má, destruidora de campos e amiga de Satanás e a transforma na protagonista de sua série. Demônios, aquilo que é de pior na mitologia judaico-cristã, ganham a possibilidade de protagonizarem em ‘Demônio: a queda’ e ‘De corpo e Alma’ — Em breve nas livrarias (rsrs — Momento comercial).
Os personagens estão, sem dúvida, mais complexos, mais surpreendentes. Os papeis podem ser trocados e as torcidas podem variar. Mas o que significaria isso?  Estaríamos nós nos tornando uma sociedade de degenerados que cultuam o mal e riem da moralidade e da ética? Ou estaríamos entrando em um novo momento de revelações, onde as injustiças do passado com relação a mitos antigos estão sendo revisados e vingados?
Sinceramente, não sei. Talvez o vilão seja aquele que nos permita entrar em contato com nosso lado mais obscuro, permitindo-nos prazeres pouco convencionais mesmo que de forma ficcional. Ou talvez seja apenas um processo de modernidade na forma de se fazer ficção. Um sintoma de um público cansado dos mesmos heróis com suas mesmas virtudes. Ou pode ser possível ainda que os próprios valores da sociedade, com o tempo, possam estar mudando.
Essa terceira me é mais atraente, pois, se observarmos os valores de antes, percebemos que eles não estão mais presentes hoje. Pensemos — apenas com o intuito de ilustrar — na virgindade feminina até o casamento. Esse é um tabu presente nas sociedades ocidentais desde antes de Cristo, mas que hoje já foi quebrado e superado. As mocinhas virginais dos contos de cavaleiros não atraem mais o leitor como antes e hoje são elas que tomam a atitude ativa e exigem que os heróis as possuam. Como faz a Bella de ‘Crepúsculo’ com relação a Edward. A revolução sexual já aconteceu no mundo e a arte acompanhou essa tendência.
Voltando agora ao anti-herói, também temos aí uma questão atual, pois, muito mais do que uma apologia ao mal, acredito que essa nova onda de vilões, é, na verdade, uma resposta a uma própria falta de conhecimento do que seria o certo. Não que sejamos um bando de degenerados que desgraçam a humanidade, mas sim que somos pessoas que vivemos em um mundo aonde a polícia mata os cidadãos, os políticos nos roubam enquanto os pobres morrem de fome e as pessoas continuam matando em nome de Deus. Vivemos em um mundo, aonde os mocinhos da história não são mais tão virtuosos. Então, não estaria nos vilões a solução?
Mas como eu disse antes, não sei a resposta para essa tendência atual. Pelo menos não precisamente. Estou deixando aqui apenas algumas observações. Vocês teriam alguma outra sugestão de resposta? Adoraria ouvir. Mas uma coisa não se pode negar: os papeis estão se tornando a cada dia mais imprevisíveis.

5 comentários:

  1. Bem e mal são faces opostas da mesma moeda.Se bem me lembro, já comentei isso numa postagem antiga sua, sobre demônios (ou algo do tipo).
    Ao invés de buscar os pontos negativos que isso possa representar, é necessário ver os positivos: que a infinita bondade neste mundo ainda é utopia, que o ser humano é essencialmente mal e que alguém 100% bom ou mau é demagogia. E isso é positivo?!! O positivismo está em que a lei que rege o universo é o da evolução, logo aquele que é mau terá a oportunidade de redenção e regeneração, porque a natureza o impele à evolução. Logo, um anti-herói é muito mais próximo do ser humano normal, como nós, do que um vilão mauzão e um herói angelical.
    Ora, temos por aí grandes traficantes que são ótimos pais de família (vide Beira-Mar, que mandava picar seus desafetos, mas se casou com a mulher que vivia há 15 anos e ela se declarou ainda apaixonada - ruim pra ele e pros filhos ele não deve ser). E temos grades cidadão honestos, mas carrascos de suas famílias, que batem na mulher e filhos.
    São as duas faces da moeda.
    Mas, como em tudo, o ocidente descobre certas coisas e acredita que isso passou a existir nesse momento. Anti-herois ou outro termo que valha pra msm coisa, sempre existiu no mundo oriental, em seus milenares contos. Maomé, o avatar do Islamismo, tinha seus passos errados que nenhum puritano quis esconder; Buda experiementou muitos prazeres da carne antes de se tornar um iluminado. Em todas as histórias e crenças orientais, o mais elevado sempre passa por estradas tortuosas para encontrar a "verdade" ou qualquer outra coisa que se equipare.
    Então, nada é novidade, apenas para aqueles que nunca ouviram falar disso antes.

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  2. Com certeza os personagens estão ficando mais complexos e imprevisíveis. Acho que a possibilidade de mudar aquele cliche antigo de papel malvado e bom 100% tem relação, ams também tem o fato de que estamos evoluindo nossa visão sobre o mundo. Estamos tendo acesso a uma gama enorme de informações que nãp tinhamos anos atrás, e isso altera um pouco nosso conceito sobre tudo. Nos tornamos mais cultos, analisamos pontos de vista diferentes, e acho que isso também influenciou a arte.
    E como este estilo de ficção vem dando muito certo ultimamente, atraindo e chamando cada vez mais atenção, o resto começou a gostar e fazer.

    Eu mesmo prefiro alguns vilões a mocinhos. O Curinga foi o máximo. Outro que gosto bastante é Raito do mangá Death note. Seus preceitos são atrativos e nenhum mocinho vai tirar o brilho de vocês.

    Se continuar assim, vou sentir saudades daqueles vilões que soltam "muahahahahaha".

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  3. kkkk. Esse vilôes clássicos deixam saudade mesmo. Eles eram engraçados de tão surreais. ^^ Mas concordo com Você Luiz, pois realmente estamos evoluindo e percebendo que a sociedade é mais complexa que esses modelos pré estabelecidos dem bem e mal.

    Mas essa coisa dos dois lados da mesma moeda também é interessante, principalmente pois quando falamos de 8 ou 80, estamos falando de modelos de conduta: tanto o mal ao estremo quanto o bem ao estremo. Logo, como são modelos, não dizem respeito a realidade em si, mas o que se espera dela.
    Concordo que colocar personagens mais complexos, que transitem entre o bem e o mal é a melhor forma de definir nossa sociedade, aonde os papeis não esão bem definidos e o fato de ser mal em alguma coisa, não significa necessariamente ser mal em tudo.
    Redenção. Esse é sem dúvida o meu tema favorito. Dizem que o inferno está por trás das melhores intenções, mas quem não garante que o paraíso também não está atrás das piores? rs
    Abraços

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  4. Lembro um trecho da musica do sr. Seixas que dizia: "Olha, vê o mal... Ele (mal) vem de braços e abraços com o bem num romance astral..."

    rsrsrsrs

    Rauzito sabia das coisas...

    E vcs citaram tantos vilões, nossa e aquele militar do filme "bastardos inglórios", nossa... O melhor vilão dos últimos tempos... Junto com o Coringa, cláro...

    Falando um pouco sobre bem e mal... Acho legal não somente a idéia de criar personagens malvados carismáticos... Mas também a idéia de que, potencialmente, todos nós somos bons e maus... E acho massa essa idéia de descobrir o mau que existe no "mocinho" e a virtude do "bandido".

    Muitas destas características você vê nos personagens de Lost por exemplo...

    E tudo isso reflete ao meu ver, como consequencia das grandes quebras... Primeira a revolução no mundo 50' e 60' que quebraram os paradigmas dos conservadores... E nossa geração, depois da constatação e desilusão com os movimentos e instituições que foram "revolucionárias" décadas atrás e hoje se tornaram tão corruptas como os corruptos que elas combatiam...

    "Os bons moços de hoje são os rebeldes da outra estação..."

    Então é isso... espero ter contribuido um pouco para esse interessante debate!

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  5. Gostei muito de suas colocoções, principalmente por trazer para o debate a questão dos movimentos Históricos. Afinal, a própria Revolução Francesa, cheia de seus ideais de liberdade e igualdade que prevaleceram na memória coletiva de muito tempo, hoje já e desconsruída e podemos ver nela, na realidade, um movimento de uma burguesia interessada, etndo em seu discurso de igualdade a famosa ideia de que uns são mais iguais do que outros. Assim, notamos que esse discurso não estava endereçado aquelas classes menos favorecidas. Vale lembrar também que o próprio nazismo foi, durante muito tempo, bem viso, não só pelos olhos alemães como também pelos americanos.
    Os ideais mudam sim, as maneiras de enxergar o mundo se ransformam, mas não notamos e acabamos criano a ilusão que nossos valores são os mesmos sempre, que nunca mudaram e, por isso, jamais mudaram. Estamos errados. As vezes julgamos determinadas atitudes do passado pensando que são erradas ou imorais, mas elas são erradas e imorais do nosso ponto de vista, não do deles, naquele tempo, vivendo sua própria historicidade.
    Bem, pe melhor eu parar por aqui ou então não pararei mais. rs
    Excelente contribuição Facundo.

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