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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Refletindo a Sociedade — Problemas, desejos e utopias do homem moderno presentes no mito do Vampiro.

A fantasia, muito além de promover devaneios e fugas de uma realidade, de alguma forma, reflete a problemática do mundo real e a translitera de forma a torná-la maravilhosa. Na temática escolhida pelo autor, podemos perceber alguns de seus sonhos, coisas que, por ele estar criando, na verdade, refletem a desejos dele próprio. E quando o livro vende, podemos ver que esses desejos vão além do autor e se mostram presentes em toda uma sociedade.
Acho que todos irão concordar que a grande personagem mitológica em voga atualmente não pode ser outra que não o bom o velho Vampiro. Um mito arcaico, que nasceu como um morto-vivo irracional comedor de carne humana fresca, passando para um ‘gentleman’ com Bram Stoker e Lord Byron, até chegar ao heroísmo na contemporaneidade com L. J. Smith e Stephenie Meyer — e outros mais que seguem essa linha como as séries ‘House Of Night’ e ‘Irmandade da Adaga Negra’. No Brasil, também temos bons expoentes como André Vianco e a nossa estreante Vivianne Fair, com a trilogia ‘A Caçadora’. Enfim, a lista é enorme.
Mas a pergunta que eu lanço neste ensaio é: Por que o Vampiro? Por que, dentre tantos mitos a serem trabalhados, de tantos personagens folclóricos, é o vampiro quem preenche majoritariamente as prateleiras das livrarias no Brasil e no mundo? A afirmação que eu faço no primeiro parágrafo desse artigo não é inocente. Ela é a chave para o que é, a meu ver, a resposta.
O que é a Fantasia se não um sonho? Uma utopia, que visa atender um desejo? Freud dizia que os sonhos tinham a função de acessar nossos desejos mais íntimos a fim de exibi-los para nós, mesmo que de forma irreal, e, assim, nos satisfazer através do prazer proporcionado. Não quero discutir muito Freud aqui, até por que a parte dos sonhos é bastante complicada, pois também existem os pesadelos... Mas enfim. O que eu quero atentar é que assim como o sonho, a fantasia é criada de modo a atender nossos desejos, nossas necessidades, ela reflete nossos anseios, e os cria de forma mágica para nos proporcionar prazer.
Então, torno a perguntar: Por que o Vampiro? Mas agora, a pergunta se torna mais refinada. O que o vampiro tem que possa, de algum modo, refletir os desejos do homem contemporâneo. Como objeto de estudos, usarei um pouco aqui da série ‘Crepúsculo’, por ser o mais ilustre e também comentado trabalho dos últimos tempos sobre o tema.
Vejamos como ‘Crepúsculo’ apresenta seus vampiros: Homens e mulheres de beleza invejável. De imortalidade comprovada, eles não só não envelhecem como também são muito difíceis de serem mortos. Nem o sol parece ser mais um problema para eles. Eternamente jovens, os vampiros de SM refletem uma característica muito marcante na sociedade moderna: o ‘Presentismo’.
Como ‘Presentismo’ aqui, digo exatamente o que o conceito parece: Um apego ao Presente. Intelectuais como Francois Hartog ou Pierre Nora, nos alertam para um momento de nossa sociedade em que vivemos num mundo onde o passado é considerado ultrapassado. Ele não nos acrescenta mais em nada e por isso temos que estar constantemente superando-o. O desapego a ele é apresentado na maneira como nós mesmos lidamos com nossa memória. Como procuramos esquecê-la. Como as coisas parecem não durar muito em nossas mentes por mais bombásticas ou mais calamitosas que acontecem.
O futuro também se mostra pouco atraente. Aparece para nós de forma incerta. Não temos certeza alguma de aonde as coisas irão dar. Atualmente, muito poucos de nós acreditamos num futuro melhor. Teorias apocalípticas estão por toda a parte: o 2012 do calendário Maia, a espera do Messias vindo pela primeira ou segunda vez, dependendo da teologia adotada — Judaica ou Cristã, respectivamente. E também temos os apocalipses científicos: O buraco na camada de ozônio, o aumento do nível dos mares, o aquecimento global, a nova era do gelo. O que parece ser a única certeza que temos é que o Mundo vai acabar, mas como, não sabemos direito.
E é nesse contexto que o Presentismo se manifesta. Hoje, não se tem mais a idéia de se aprender com o passado, e a partir do momento em que não vemos um futuro, temos única e exclusivamente o presente ao que nos agarramos com toda a força. E os sintomas estão claros para nós.
1. O apego a juventude: O aumento do número de academias, operações plásticas, produtos de beleza. A televisão, os jornais as revistas, a mídia em geral, bombardeando as pessoas com imagens de pessoas jovens e felizes.
2. O medo da morte: Com cada vez mais crescente onda de ateísmo mundial, o medo da morte nunca esteve tão presente, de modo que, ma maioria das vezes, nem sequer procuramos pensar nessa possibilidade. Preferimos esquecer e nos agarramos à ilusão de que viveremos para sempre.
Existem outras características desse presentismo na sociedade — como a irresponsabilidade social ou ambiental — mas não vou falar delas já que meu objeto de estudos é o mito do vampiro.
O vampiro passa hoje a ser uma projeção de nossos desejos. Pois quem de nós não gostaria de viver para sempre, de sermos eternamente atraentes e jovens? O vampiro passa então a ser nossa nova utopia. Apesar de não cremos nele, nos permitirmos, enquanto lemos, nos imaginar no lugar dele, sermos como ele. Sonhamos e através desse sonho, atendemos a demandas nossos anseios. Anseios esses ocultos muitas vezes, mas presentes.
Vocês devem estar se perguntando: Qual a minha proposta ao escrever esse artigo? Criticar a saga ‘Crepúsculo’? Não. Alertá-los de alguma coisa? Também não. Desabafar? Talvez. Ordenar para que parem de escrever sobre Vampiros? Jamais! Eu amo esse mito e adoro ler sobre ele — contanto que seja de forma bem construída.
Então o que? Simplesmente, proponho que pensemos sobre o assunto. Sobre o presentismo e como ele se mostra na nossa vida e na literatura. Até mesmo no ‘Véu’ ele está presente. Acabei percebendo isso depois de escrever o livro. Ele estava lá, de forma inconsciente. Quem ler vai entender o que eu digo.
Então, convido aqueles que vierem a se interessar em ler esse ensaio, a pensarem sobre o tema, refletirem sobre essa condição, pois essa é uma das funções da fantasia. Já bati nessa tecla, estou batendo e baterei até o fim: a fantasia não serve apenas para que escapemos da realidade, mas também para que pensemos sobre ela de forma indireta.

4 comentários:

  1. Acho que você disse muito bem, a fantasia é mesmo uma forma de escape ao mesmo tempo que reflete de forma meio difusa o que acontece conosco hoje, agora, na nossa sociedade. Acho que a ficção se presta mais ainda a esse papel, é um "cavalo de Tróia" (como o Keanu Reeves disse em uma entrevista, uma vez) em que se pode colocar todo tipo de conteúdo e reflexão, desde a natureza humana de cada um até o destino para o qual nossos atos estão nos empurrando.

    De uma forma ou de outra, li a série "Crepúsculo", e é mesmo algo que reflete a nossa geração, tanto que os leitores jovens são a grande maioria da série. Hoje queremos ser eternos, como os vampiros, e há um grande apego a imagem externa, mais do que em qualquer outra época. Premeditadamente ou não, acho que Meyer escreveu um tomo extremamente apelativo para nossa sociedade em geral. Se a qualidade ainda é discutível (eu, particularmente, a defendo), a esperteza dos temas não deixa mais dúvida.

    Abraço! Excelente texto!

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  2. Valeu mesmo Caio. Com certeza Meyer tinha um público alvo ao escrever Crepúsculo, mas é difícil de saber até que ponto o "apelo" aos anseios de nossa geração foram fruto de causa ou apenas um reflexo presente em todos nós, uma atitute quase que inconsciênte. É difícil estabelecer essa linha, mas a partir do momento em que você observa a mesma incidência em várias áreas que não sejam só a literatura - a propaganda, o cinema, a moda, etc - então você vê que a coisa é mais abrangente do que uma simples questão de atrair um público.
    Gostei do comentário. Abração cara.

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  3. Olá! Vim agradecer a participação na promoção do meu blog umajanelasecreta.com e desejar BOA SORTE!
    Bjs!

    Cel.

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