Neste ensaio, resolvi falar da comédia. Um gênero específico que me chamou a atenção nos últimos meses por conta do problema referente à Lei 9.504/1997, que proibia o uso de charges, sátiras ou programas humorísticos que viessem a ridicularizar políticos durante as eleições. Por mais que a tensão desse debate já tenha se passado e a lei revogada, acho interessante abrir uma pequena discussão aqui sobre o tema. Pois, já que meu trabalho não tem nada de político, e sim teórico literário, meu interesse aqui não é levantar uma discussão de quão válida ou sensata é essa medida, e sim a de tentar discutir o estatuto. O que ela representa para uma sociedade. Tema esse que aos meus olhos pareceu se acentuar e que estava no cerne da questão debatida por essa polêmica.
Desde Platão, que a idéia da comédia como sendo algo doloso para uma sociedade já se mostrava. De acordo com o filósofo, a sátira tinha a capacidade de desvirtuar o bom cidadão e levá-lo à escarnecer de situações e problemas sérios. Nesse sentido, a comédia seria dolosa para um grupo humano por despertar nelas o desprezo pela vida pública e o desrespeito por questões graves. Essa temática parece ter sido trazida de volta com o problema da lei que proibia o humor na política, pois a idéia que levou à proibição dos programas humorísticos contra os políticos brasileiros, também, de acordo com o discurso dos legisladores e executores da lei, tinha como objetivo o de proteger a mentalidade pública dos perigos da gozação.
Nesse sentido, a comédia seria a causadora do ceticismo popular. Ela desvirtuaria o bom homem e o levaria a se desinteressar pela política, por exemplo. Porém, como eu sempre gosto de fazer, essa questão deve ser problematizada. Pois seria mesmo a comédia capaz de criar o ceticismo, ou o caminho mais seguro não seria o oposto?
Mais do que uma causa, a comédia é uma conseqüência, uma reação contra algo de que não está agradando. A comédia é um dos modelos de crítica mais populares da história, e desde os teatros gregos que elas vêm sendo utilizada como forma a pôr em debate popular as insatisfações contra um governo, ou contra outra questão de caráter público. Aristófanes é um bom exemplo disso, pois com suas comédias - “As Aves”, “As Vespas”, “A Assembléia das mulheres”, e outras – ele se apresenta como um crítico ferrenho do governo de seu tempo, como também de figuras ilustres à sua época, como o dramaturgo Eurípides e o filósofo Sócrates.
A comédia chega para ridicularizar aquilo de que ela é contra. Logo, ela só pode ser aceita em um ambiente aonde o objeto ridicularizado não seja bem visto aos olhos da platéia. Assim, um cristão fervoroso jamais virá a rir de uma piada sobre Jesus, assim como um petista ferrenho jamais achará graça de sátiras de Lula ou de Dilma. Da mesma forma que alguém pró FHC não irá rir de insinuações contra Serra. Nesse sentido, o ceticismo não é uma conseqüência da comédia, e sim é o ambiente necessário para que esta exista.
Não existe comédia em um lugar aonde reina a utopia. Isso porque não rimos daquilo que cremos, daquilo que realmente achamos possível. Não teria sentido uma piada zombando a lei da gravidade, porque para todos nós ela é um fato inquestionável. Mas quando a esperança em algo morre, então se é possível questionar, e, logo, se é possível zombar. Todos os grandes humoristas são céticos na sua realidade. E é justamente de sua descrença que vem a inspiração. Mas isso não quer dizer que eles sejam capazes de influenciar totalmente a descrença nos outros. Pois não podemos entender que o público seja uma simples tabula rasa que aceita de bom grado todas as idéias que a elas são transmitidas. Pelo, contrário, o público quem decide se algo é ou não engraçado. E ele só vai ser capaz de rir se em si já carregarem uma dosagem de descrença. Pois dessa forma eles se vêem representados na comédia.
E é nessa questão que a comédia toma seu aspecto mais sombrio. Aspecto esse que é representado muito bem pelo personagem Coringa, das histórias em quadrinhos de Bob Kane. Esse personagem ilustra muito bem o ponto máximo do comediante que divide a descrença da loucura. Pois de tão cético com relação ao mundo, o Coringa só é capaz de uma coisa: de rir dele. O riso, para ele é a única forma de dar graça a uma vida que não teria sentido algum. Dessa forma, a única alegria desse palhaço é literalmente a de ver o circo pegar fogo.
Para fins de conclusão, uma coisa que achei interessante destacar, e que esse debate político me proporcionou, foi o de entender melhor o próprio estatuto da comédia. Fazendo pensar em como ela está presente em nossas vidas. E não só: mas também como nos permitimos deixá-la fazer parte de nossas vidas.
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