Saramago sai da vida e entra para a história e este livro, prêmio
nobel de literatura, faz jus à condecoração e à memória do
autor, tornando Saramago, além de grande escritor, um alvo difícil
para se esboçar uma boa crítica. Pois ao falar deste autor é
realmente complicado não cair no elogio exacerbado devido a
eminência de sua obra, como também é quase impossível eu, reles
escritor iniciante, fazer algum comentário que não seja elogioso
sem levantar as réplicas do tipo: “e quem é você para criticar
Saramago?”
Bem, a verdade é que nesta resenha não pretendo esboçar grandes
críticas ou apontar defeitos, pois de fato gostei da obra. Na
verdade, nem sei porque afinal fiz tamanha digressão, mas achei
importante fazê-la. Usufruo deste direito, tal como Saramago ao
escrever seus trabalhos, pois as vezes breves digressões falam mais
do que o próprio assunto principal. Enfim, sem mais delongas, vamos
à obra.
“Ensaio sobre a cegueira” é um romance com potenciais
fantásticos, onde uma enfermidade misteriosa, caracterizada como
“mal branco” e com potenciais de se tornar uma doença de caráter
global, deixa cega boa parte da população portuguesa. Preocupadas,
as autoridades decidem por confinar em quarentena os grupos humanos
doentes e com risco de contágio, de forma a conter uma possível
pandemia. E neste universo paralelo, sem contato com o mundo exterior
que não seja na forma de suprimentos anônimos e guardas armados que
vigiam as saídas, os confinados vivem uma sub existência onde a
cegueira física em nada se compara a cegueira da alma.
Com personagens anônimos, cognominados apenas pela sua função
social ou característica física marcante – a mulher do médico, o
garoto estrábico, o primeiro cego – a narrativa se desenvolve.
Nele, estes personagens desprovidos de identidade, apresenta-se este
mar humano que é a nossa sociedade de hoje, onde o indivíduo perde
sua caracterização pessoal e é englobado pela massa.
A mulher do médico, única personagem a manter a visão em meio ao
caos, nos mostra, nas palavras do próprio autor, “a importância
de se ter olhos quando os outros já os perderam”. A capacidade de
ver, e não só olhar, de reparar, e não apenas ver. Níveis de
visão que são esquecidos por nós, que olhamos sem ver, que vemos
sem enxergar.
Sem dúvidas é uma obra com plenos potenciais e que obviamente todos
eles não são atingidos. Nesse sentido, o fato de o título trazer o
nome de um “ensaio” não é gratuito, pois Saramago não está
preocupado em realizar uma narrativa fechada, que faça pleno sentido
em sua totalidade e deixe amarrado todo e qualquer nó solto que
possa aparecer. Pelo contrário, ele se permite perder completamente
em meio a sua história. Coisas não são explicadas, personagens não
são plenamente trabalhados. Existem lacunas que nós, leitores
ávidos, podemos preencher a nosso bel prazer, realizando ensaios
dentro do ensaio.
Enfim, uma obra magistral. Absolutamente densa, como todo o trabalho
deste português, mas proveitosa e que deixa marcas do começo ao
fim, e para além dele. Dos livros de Saramago, este foi o que tive
mais dificuldade de ler. Demorou-se em demasia passar pelo mar
turbulento de seus personagens e sua escrita marcadamente erudita e
singular. Mas este foi absolutamente um trabalho que deu gosto de
realizar e ao fim da história, aquele gosto de que havia conquistado
um dos topos do mundo literário.
Leitura imperdível!
ResponderExcluirBaixar o Filme - Ensaio Sobre a Cegueira - Adaptação da obra de José Saramago - http://mcaf.ee/eaznd
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