É claro para todos que quanto mais fazemos alguma coisa, mais apto
nos tornamos a realizá-la. Mais nosso corpo e nossa mente se
acostumam a tarefa e menos nos sentimos cansados ou estressados por
conta disso. Sem dúvidas a prática leva a perfeição, todavia
quando falamos do hábito de escrita, deve haver um cuidado para que
esta “perfeição” não acabe por se tornar simplesmente rotina,
e, assim, comprometer a qualidade da obra em questão.
Vocês já repararam como alguns autores best seller, em
especial aqueles que possuem dezenas de obras publicadas, começam a
se tornar repetitivos em seus trabalhos ao longo do tempo? Como se
chega a um ponto em que você, leitor, acostumado com o seu estilo,
acaba por prever acontecimentos, falas ou locais antes mesmo de
chegar às páginas equivalentes? Pois é, eu também percebo, de vez
em quando, isso. E pior, comecei a sentir isso quando eu mesmo
escrevia.
O Véu, meu primeiro livro, foi um verdadeiro parto.
Necessitou de inúmeras revisões, pois eu nunca sabia como dar
continuidade a uma parágrafo, ou que palavras seriam melhor
empregadas para descrever alguma cena. Com isso, eu basicamente
escrevia e reescrevia várias vezes a mesma passagem até chegar a um
ponto em que considerasse o resultado minimamente satisfatório. No
fim, saiu. Mas não sem sacrifícios.
Já De Corpo e Alma e segundo volume de O Véu -
respectivamente meu segundo e terceiro trabalhos – foram sendo
produzidos de forma mais natural. Aos poucos, eu ia me acostumando
com a prática, já sabia os recursos estilísticos, as figuras de
linguagem que melhor se encaixavam, e também já tinha maior
experiência em construir cenas de amor, comédia, drama ou suspense.
O problema mesmo despontou quando escrevi O Salto. Meu último
trabalho finalizado e registrado. Esses quatro livros acima citados
foram escritos em um período de tempo muito curto, pois
corresponderam ao meu início na faculdade onde, além de ter mais
tempo livre, foi o período em que despertei para esta prática, onde
tive pela primeira vez o gosto pela escrita e que, por conta disso,
acabei por desenterrar todas as ideias que tinha guardadas desde os
tempos em que jogava RPG na adolescência e as lancei em documentos
de word.
E foi então que senti algo estranho ao concluir O Salto. Eu
não sabia o que era, mas havia algo de estranho, algo que me
incomodava e não sabia o que era. Eu simplesmente não sentia mais a
animação em passar pelas páginas para revisar, tal qual sentia ao
reler meus trabalhos anteriores. Foi então que a ficha caiu: eu
havia rotinizado minha escrita. Algumas passagens eram basicamente
iguais a outras que eu havia escrito antes, momentos de tensão,
alegria e reflexão estavam semelhantes aos de O Véu ou De
Corpo e Alma e eu estava me tornando repetitivo em minhas figuras
de linguagem.
Enfim, foi o momento em que percebi que deveria parar e descansar um
pouco. As ideias continuaram vindo, mas seguir aquele ritmo acabaria
por me tornar aquilo que sempre detestei: um escritor fordista.
Chamo de fordistas aqueles escritores que, trabalhando em
série, produzem várias obras cujas temáticas e os personagens
podem ser diferentes, mas as estruturas se mantém as mesmas.
Roteiros prontos, onde os momentos passam a ser completamente
previsíveis. E a menos que você seja um leitor muito pouco
exigente, chega a um ponto em que aqueles trabalhos não mais te
agradam, pois não conseguem mais atender a uma expectativa básica
de quem procura um bom livro: um gostinho de algo novo.
E neste sentido, chega-se a uma faceta prejudicial da experiência.
Pois se por um lado ela lhe torna mais maduro naquilo que você faz,
esta também pode ser responsável por lhe tornar inerte em seu
ofício. Incapaz de fazer algo de diferente. Uma coisa que, quando
falamos de arte, é essencial.
Hoje, estou com um novo projeto, Despertar, que demorei para
iniciar simplesmente pelo fato de sentir medo de fazer apenas mais do
mesmo. Conversei até mesmo com meu editor, contando de minhas
dificuldades, e agora, quase dois anos depois de escrever meu último
livro, me sinto apto a continuar. O Salto está, até o
momento, engavetado. É um trabalho do qual gostei bastante, mas que
tenho que retornar a ele para ver se consigo tornar aquela boa ideia
em algo novo, original. Algo que me acenda a chama da euforia ao
terminar. Tal como aconteceu nos dois volumes de O Véu, como
se despontou em De Corpo e Alma,
e como está sendo agora em Despertar...
É difícil encontrar quem faça esse tipo de reflexão e assuma a postura que você assumiu. Parabéns pela coragem, que o fará um escritor cada vez melhor.
ResponderExcluirObrigado, Ana.
ExcluirMinha guru literária ^^
Ainda não esqueci do café rs