Parece que a o futuro havia se acabado para aquela cidade. Isolados
do contato com o mundo externo há dias, seus habitantes vão
gradativamente degenerando em todos os pontos que constituem suas já
frágeis humanidades. Comida, remédio, saneamento não existem mais,
e a barbárie começa a ganhar forma conforme o desespero toma conta
de seus corações. E se isso tudo não bastasse, estes houvem dos
céus a mensagem redentora, de que uma explosão colocará fim a suas
vidas medíocres em questão de alguns minutos. Então, restava
somente esperar.
Todavia, dentre os infortunados moradores da pacata região, está um
homem de meia idade, gordo, solitário. Dono de seu próprio negócio,
uma loja de revistas em quadrinhos, onde passou boa parte do tempo
maltratando seus clientes, escolheu este lugar, onde passou anos de
sua vida, para refletir sobre sua existência. Seu comportamento rude
e seus poucos cuidados estéticos afastaram as pessoas de sua vida.
Ele não tinha namorada, poucos amigos, e seus clientes não passavam
de eventuais relações comerciais.
Sua vida inteira havia sido dedicada aos quadrinhos, coisa da qual
mais gostava, que lhe rendeu ótimas discussões, momentos de puro
entretenimento, reflexões arrojadas, mas pouco contato humano. E
agora, faltando apenas alguns minutos para o fim, nosso herói cai de
joelhos ao solo, rendido pelo final iminente e grita: “Minha vida
valeu a pena!”
Àqueles que não reconheceram a cena acima, trata-se de uma curta
passagem do filme “Os Simpsons”, lançado em agosto de 2007 .
Nela, o cara da loja de quadrinhos faz uma reflexão acerca de sua
vida e a resposta para sua avaliação, não muito esperada em
tamanho contexto, fez muitos admiradores rirem e, em alguns casos,
pensarem. Em minha opinião, foi uma das melhores sacadas de todo o
filme, que teve inúmeros outros momentos memoráveis.
Fazer a vida valer a pena é uma tópica comum. Algo presente em
quase todos os momentos de nossas vidas e que acredito ser impossível
nenhum de nós não termos nos deparado com ela algum momento.
Contudo, fazer valer a pena acaba, para muitos, caindo em um terreno
acidentado. Pois o que seria fazer valer a pena? Se perguntarmos para
as pessoas a nossa volta, frases comuns como “ser feliz”,
“aproveitar os momentos”, “ser sincero”, “ter alguém
importante ao seu lado”, e outras presentes até mesmo nos mais
rasos livros de autoajuda. Alguns até arriscam uma receita de bolo
mais elaborada, mas pouco eficiente.
Normalmente nossa sociedade já possui um modelo pronto. Uma lista de
coisas que precisamos fazer para conquistarmos a tão sonhada
felicidade e conseguir chegar ao final da vida a sermos capazes de
gritar “minha vida valeu a pena”. Uma lista pequena: ser
inteligente, bonito, sociável, carismático, engraçado, ter muitos
amigos, praticar esportes, ter um bom emprego, constituir família,
ganhar muito dinheiro, ajudar o próximo, conseguir o carro do ano,
ser pegador (no caso dos homens), ser recatada (no caso das
mulheres), ser saudável, gostar de noitadas, televisão e futebol,
manter-se vivo...
Entretanto, apesar de já termos esse nosso modelo didático e a
prova de falhas, existem aquelas pessoas que insistem, seja por
vontade ou por azar do destino, em querer encontrara a felicidade
fugindo dele. Pessoas como o cara da loja de gibis. Que não gosta de
sair a noite, de azarar, que prefere os momentos sozinho à jogar
conversa fora com pessoas que não valham a pena; que escolhe o mundo
da ficção, onde as coisas sempre se resolvem no final, ao invés de
nosso mundo perfeito, cheio de injustiças, corrupção e dor. Que
optou por uma profissão “menor” onde estaria em contato com tudo
aquilo de que gosta, ao invés de um emprego em que poderia ganhar
grandes quantidades de dinheiro em troca apenas de um pouco de
estresse, decepção e sacrifícios.
Enfim, da para entender um cara desses?
Sendo eu escritor de literatura fantástica, vocês já devem ter
percebido que há um pouco de pessoalidade neste texto. Pois há
mesmo. Na época, foi um filme que muito me cativou e tal pensamento
me foi reavivado com a leitura de “O livro do fim do mundo”, uma
coletânea de contos que nasceu com a proposta de pensar “o que
você faria se o mundo fosse acabar em uma hora?” E o conto “...and
I feel fine”, de Leandro Samora tocou muito bem neste ponto da
questão. Pois a verdade é, se viver fazendo aquilo que nos da
vontade sem causar mal a ninguém não é fazer valer a pena... Bem,
eu não sei mais o que é.
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