Apesar de todo o presentismo de nossa atual sociedade, onde o que
vale é o aqui e o agora, não podemos desprezar o peso que o passado
ainda exerce sobre os nossos ombros. Além de sermos constantemente
comparados com as gerações anteriores – principalmente pelos
saudosistas que insistem em pregar aos quatro ventos como antigamente
as coisas eram melhores – a todo o momento temos sob nossas cabeças
os paradigmas estabelecidos pelos exemplos que vieram antes de nosso
nascimento.
Na escrita, como em toda a área, temos os grandes gênios cuja
mitologia construída em torno deles os tornam inalcançáveis.
Apropriando-me de Nietzsche posso dizer que todo o escritor hoje já
nasce castrado. Pois por melhores que sejamos, jamais seremos tão
bons quanto Machado de Assis, ou José de Alencar. Nunca, por mais
que queiramos e nos esforcemos, chegaremos perto de suas grandezas. E
tal castração – muitas vezes autoimposta - nos é forçada pela
nossa própria tradição, que galgou um lugar especial para os
clássicos de tal forma que, monumentalizando-os, transformara-os em
gigantes cuja sombra sob o presente nos impede de enxergar nossos
próprios titãs.
E tal perspectiva não é de todo o estranha se compreendermos que o
presente é realmente um ambiente bastante infértil para a percepção
dos próprios potenciais, por ser tão instável e incerto. Artistas
hoje vem e vão. Quais vingarão, não sabemos. Muitos são estrelas
que podem permanecer por milhões de anos iluminando o cosmos, mas a
maioria não passa de fogos de artifício, que somem após alguns
instantes de brilho. E isso não é uma prerrogativa do presente. No
passado também existiram escritores que não vingaram, que por não
conseguirem marcar a história, desapareceram no tempo. Contudo
muitas vezes esquecemos disso, pois tudo o que temos do passado é o
que nos foi deixado de herança, o que sobreviveu.
Aristóteles, Agostinho, Kant, Lima Barreto e tantos outros que
chegaram a nós nada mais são do que os sobreviventes de um
verdadeiro genocídio literário, onde tantos outros autores
pereceram. A única diferença entre os titãs de hoje e os de ontem
é que estes já passaram por seu tempo e chegaram ao nosso, e
sabemos disso. Já os nossos ainda estão em transição para o
futuro e jamais saberemos se chegarão ou não, pois até lá iremos
perecer. O passado, ao contrário do presente, já nos parece um
terreno mais preciso, pois o caos já passou e por isso os homens de
hoje são capazes de olhar para ele e ver os seus erros e acertos. Os
clássicos já são clássicos, já chegaram a nós, já se firmaram,
por isso são geniais.
Quantos autores hoje não se inferiorizam perante os grandes autores
de outrora? Quantos não duvidam de sua própria capacidade? E
quantos não se castram por conta disso? Mas será que somos só nós?
Que os nosso gênios também não passaram por tais situações? Será
que eles realmente, desde seus nascimentos, tinham certeza do lugar
que ocupariam na história do mundo? Logicamente que não.
Eles também viveram incertezas, também foram inseguros, também
tiveram seus próprios paradigmas, criados por outros gênios que os
antecederam, que faziam sombra sobre eles. E foi nessa relação
onde, seja tentando imitar a grandeza do seu ídolo, seja se
contrapondo a ela, querendo se impor perante o passado, que
conseguiram também firmar seus lugares em nosso panteão. E,
infelizmente, a maioria deles não chegaram a saber nunca que se
tornaram clássicos, pois este título só lhes foi ofertado após o
fim de suas existências.
Desculpem o tom de autoajuda deste escrito, mas é sim importante
salientar que por mais grandioso que o passado possa nos parecer, não
podemos esquecer que o presente também guarda seus próprios
gigantes, que estão escondidos sob as sombras, apenas esperando o
momento certo de despontarem. E qualquer um de nós pode ser um
desses pequenos gigantes que marcarão presença no futuro. Qualquer
um.
E tal pensamento pode parecer otimista demais, pois realmente estamos
inseguros com nossos futuros. Não sabemos para onde vamos, o que nos
espera no fim, mas isso é normal. Basta cada um de nós parar para
pensar em nossas vidas e ver quantas coisas hoje nos fazem sentido
mas antes, enquanto elas de fato aconteciam, não eram verdadeiros
terrores para nossas existências. E quanto a isso me refiro a tudo,
desde os amigos que fizemos, as escolhas vocacionais que realizamos,
os esforços que empregamos para conseguir vencer na vida. Todas
essas coisas, no momento em que estão sendo realizadas são
verdadeiras entropias. São como espadas de Dámocles, pendidas sob
nossas cabeças por curtos fios que podem se romper a qualquer
momento e nos decapitar em questão de segundos. Mas depois que
passamos por elas e conseguimos olhar para trás, aí sim somos
capazes de ver que tudo fez sentido, seja pelos nosso acertos que nos
trouxeram até aqui, seja pelos nossos erros aos quais, apesar de
ruins, sobrevivemos a eles.
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